Os brasileiros que doam sêmen para inseminações caseiras

Vinícius Lemos, de Cuiabá para a BBC Brasil

29 novembro 2017

Com esse texto, o analista de sistemas João Carlos Holland, de 61 anos, anuncia a si próprio em grupos de doações de espermatozoides em redes sociais. Acredita-se que ele seja um dos maiores doadores de sêmen para inseminação caseira. Iniciou a prática em outubro de 2015, e desde então acredita ter conseguido colaborar com a gravidez de ao menos 24 mulheres, a partir de cerca de 150 doações feitas até o início de novembro.

Na inseminação caseira, o doador coloca o esperma em um pote de coleta de exame – para preservar o conteúdo – e o entrega à mulher, que precisa estar em período fértil.

Esse é o único contato que os dois mantêm durante o procedimento. Em seguida, ela introduz o líquido na vagina por meio de uma seringa – prática considerada insegura por uma especialista ouvida pela BBC Brasil -, levanta as pernas e permanece em posição ginecológica por aproximadamente 30 minutos. Cerca de duas semanas depois, faz o primeiro exame para descobrir se conseguiu engravidar.

Em algumas situações, a mãe e o doador fazem um contrato para definir os direitos que o homem terá sobre a criança. Na maioria dos casos, o acordo prevê que ele abra mão do bebê e conceda plenos direitos à mulher. No entanto, o texto pode ser questionado judicialmente por uma das partes para exigir direitos como pensão alimentícia ou permissão para visitar a criança.

Os casos mais comuns, entre as mulheres que decidem optar pela prática, são de casais homossexuais. Há também solteiras, que buscam criar o filho de modo independente. Existem ainda, embora em menor quantidade, casais heterossexuais que procuram o método em razão da infertilidade do homem.

Segundo o Ministério da Saúde, esse método não possui nenhum tipo de regulamentação. Mas ressalta que, por se tratar de uma decisão particular, que a pessoa faz por conta própria, não é possível haver controle. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), diz que não regulamenta a prática e não possui informação sobre o assunto. Na Justiça, por sua vez, não há nenhum tipo de orientação que criminalize a prática.

Alheia às entidades oficiais, a inseminação caseira tem ganhado mais adeptos. No Facebook, grupos e páginas sobre o assunto vêm crescendo nos últimos meses. Há grupos com mais de 5 mil integrantes.

Dono de uma página dedicada ao tema, Marcos*, que afirma ter 32 anos e ser servidor público, diz que a maioria das mulheres que chega até ela “não pode fazer o procedimento em clínicas particulares, por conta do custo elevado”.

Uma fertilização in vitro custa, em média, R$ 15 mil.

‘Praticando a imortalidade’

Nas páginas e nos grupos, um dos nomes mais conhecidos é justamente o de Holland, em razão dos diversos casos de doações que resultaram em nascimentos de bebês.

“Fico muito feliz em ajudar as mulheres a realizarem o sonho da maternidade. Acredito que estou exercendo a empatia e praticando a imortalidade, porque, quando eu morrer, meus genes vão ficar com todos os filhos”, diz.

Além das inseminações caseiras, Holland tem 15 filhos com quatro mulheres com quem já se relacionou. Ele conta que sustenta 13 deles – dois são maiores de idade e independentes. O analista de sistemas hoje é casado, e sua mulher é a maior incentivadora das doações de sêmen. Ela é a responsável por agendar os procedimentos – são ao menos seis por mês – e recepcionar as mulheres.

As doações de esperma são feitas na casa de Holland, em São Paulo. As mulheres ficam em um quarto, destinado somente à prática, enquanto ele e a esposa mantêm relação sexual em outro cômodo. A esposa dele entrega o sêmen à mulher, que então realiza a inseminação caseira.

Ele costuma fazer exames clínicos uma vez por ano, para atestar que está com boa saúde. “Como é um procedimento feito por meio de seringa, e eu não tenho contato direto com a mulher que quer engravidar, acredito que os exames não precisam ser tão frequentes”, justifica.

O analista de sistemas assegura que não cobra pela doação, pede somente que as mulheres paguem uma taxa diária de R$ 100 para permanecerem na casa. Muitas delas passam até cinco dias ali, pois vêm de outros Estados – ele já doou para moradoras de Rio de Janeiro, Goiás, Bahia e Pernambuco, entre outros.

Holland exige que a receptora seja maior de idade e informe sobre o nascimento do bebê, caso o procedimento dê certo.

“Não avalio questões financeiras, pois muitas delas têm baixo poder aquisitivo. Sei que elas querem muito se tornar mães, então fico tranquilo, pois tenho certeza de que vão amar muito seus filhos. Tenho pena dos bebês que nascem ‘por acaso’, sem que as mães queiram, porque sei que são crianças que, mesmo com dinheiro, vão sofrer por falta de amor.”

Ele não faz nenhum tipo de contrato com as mulheres para as quais doa sêmen, mas pede a elas que não cobrem pensão alimentícia no futuro. “Se isso acontecesse, eu não teria condições de continuar doando, pois já são pelo menos 24 crianças, além das doações em que as mulheres não nos contaram se deu certo.”

Em alguns casos, após o nascimento as mães pedem para que ele assine um termo no qual abre mão da paternidade. “Eu sempre assino, sem problemas.”

Há também situações, diz, em que elas pedem que Holland registre a criança. “Isso aconteceu duas vezes. Eu concordei e fui ao cartório registrar, junto com a mãe.”

Mas o analista de sistemas também conta ter virado alvo de críticas por sua decisão de se tornar doador de sêmen.

“A minha família acha que isso é loucura. Meus colegas de trabalho também não entendem. Eu compreendo quem pensa assim – é porque são pessoas criadas em uma cultura capitalista e individualista, em que filhos, muitas vezes, são sinônimos de despesa e de problemas futuros. Então é normal que fiquem estupefatos.”

‘Meu maior medo era contrair uma doença’

Entre as mulheres que engravidaram com a doação de Holland está a paulista Ingrid*, de 27 anos. Antes de dar certo, ela realizou quatro procedimentos de inseminação caseira, sendo três deles com o analista de sistemas. Lésbica, a jovem optou pelo método por acreditar que seria a única forma pela qual conseguiria engravidar.

“Descobri esse método depois que pesquisei no Facebook. Conheci o João (Holland) e combinei uma data com a esposa dele. Eu sempre quis um doador conhecido. Não queria que fosse algo anônimo.

Biologicamente falando, ele é pai do meu filho e eu acho importante saber a identidade.”

Ingrid conta que logo teve acesso a exames de sangue, de doenças sexualmente transmissíveis e também ao espermograma dele. “Vi que estava tudo ok e decidi que ele seria o pai do meu filho.”

Na época, ela não estava em um relacionamento- decidiu que seria mãe solo. A primeira tentativa de inseminação caseira aconteceu em setembro de 2015. Ela tentou novamente em novembro e depois em março do ano passado, desta vez com um doador diferente.

“O meu maior medo, durante essas tentativas, era contrair uma doença. Mas como eu já havia visto os exames do João e vi também os do outro doador, fiquei um pouco mais tranquila”, conta.

A quarta tentativa, em abril de 2016, deu certo. “Foi uma gravidez tranquila e totalmente saudável.”

O filho de Ingrid, atualmente com dez meses, foi registrado com o nome dela e de Holland. O analista de sistemas costuma ver a criança ao menos uma vez ao mês.

“Ele vai crescer sabendo que tem pai. Quando meu filho tiver idade para entender, explicarei que ele foi gerado por meio de um método de inseminação caseira. Quero que ele saiba que foi um sonho realizado, no qual o pai dele e a esposa me ajudaram muito”, revela.

Desde que começou a tentar engravidar, Ingrid contou para a família sobre seus planos. “Eu nunca escondi o método que utilizaria, por ser lésbica. A minha família reagiu bem. No começo, a minha mãe se assustou, mas depois se acostumou com a ideia. Meu filho trouxe muita felicidade para nós.”

Hoje ela namora, e sua companheira tenta engravidar pelo mesmo método – também com Holland.

Mas apesar de ter conseguido realizar o sonho de se tornar mãe, a jovem alerta para os riscos que podem ser ocasionados pela inseminação caseira.

“É importante que as mulheres estejam atentas, porque muitos doadores não querem comprovar, por meio de exames, que está tudo bem. Alguns só querem se aproveitar dos sonhos delas. Elas devem cobrar os exames e conhecer mais sobre o homem que vai doar o espermatozoide.”

‘Quero que o bebê tenha apenas meu nome’

Há diferentes histórias e motivações entre as mulheres que buscam a inseminação caseira.

As chamadas “tentantes” costumam ter de 19 a 40 anos. Nas páginas online do tema, elas compartilham que os maiores riscos, além da falta de apresentação de exames, podem ser a venda de esperma – prática ilegal – ou a exigência de alguns homens de fazer doações por meio de relação sexual.

A autônoma Bárbara Helena Barbosa, de 26 anos, conheceu um homem que fez essa exigência. “Ele me disse que assim as minhas chances aumentariam muito. Eu falei que respeitava a opinião dele, mas não queria, pois acredito que relação sexual seja algo muito íntimo.”

Bárbara mora em Ibitinga (SP) e busca na inseminação caseira um modo de acalentar uma de suas maiores dores: a perda da filha recém-nascida.

“Há seis anos eu estava noiva e engravidei. A minha bebê morreu com uma semana de vida, e depois disso nunca mais tive filhos. Acredito que ter um bebê seja uma forma de amenizar a morte da minha filha, que nunca vou conseguir superar.”

Poucos meses após a morte da criança, ela terminou o noivado e desde então não teve mais nenhum relacionamento duradouro. Em razão disso, decidiu recorrer à inseminação caseira para se tornar mãe independente.

“Se o doador quiser acompanhar o meu filho, tudo bem, mas tem que ser de modo distante. Não quero que ele tenha participação afetiva na vida da criança. Quero que meu bebê tenha apenas o meu nome.”

Ela conheceu o método por meio das redes sociais e chegou a tentar o procedimento com um amigo, sem sucesso. “Devo fazer uma nova tentativa em fevereiro, com um doador que conheci em um grupo”, planeja.
Outra “tentante” que também passará por mais uma inseminação caseira é a dona de casa Ana*, de 31 anos.

Ela recorreu ao procedimento após descobrir que o marido possui azoospermia – quando não é encontrado nenhum espermatozoide no sêmen.

“Eu fiz duas fertilizações in vitro, gastei muito dinheiro e consegui engravidar de gêmeos na primeira tentativa, mas perdi com seis semanas. Na segunda, minha gravidez não evoluiu. Então, fiquei sem saber o que fazer e descobri a inseminação caseira.”

Doador viajante

O doador que Ana e o marido escolheram para a inseminação caseira é o cozinheiro autônomo Aleksandro Machado, de 23 anos, de Ponta Porã (MS). Para anunciar a si mesmo, o jovem se descreve como homossexual, detalha que a inseminação deverá ser feita sem contato físico e utiliza uma imagem de quando era criança.

Ele se tornou doador de sêmen há oito meses, após conhecer o tema por meio de redes sociais. “Acreditava que ninguém iria entrar em contato comigo, mas logo recebi muitas mensagens”, diz.

Machado vai até a cidade da “tentante” para realizar o procedimento. “Eu acho bacana fazer essas viagens, porque conheço histórias novas e pessoas diferentes. É tudo muito legal”, afirma.

Ele conta que não cobra pela doação, mas pede que a mulher pague o custo da viagem, da estadia e lhe dê um valor que considerar justo. “Elas me dão, normalmente, R$ 100 por dia. É uma ajuda de custo, porque tenho que sair da minha cidade e deixo de trabalhar enquanto estou viajando.”

Segundo Machado, seus pais respeitam sua decisão em se tornar doador de sêmen. “Eles são idosos, então no início foi difícil para aceitarem. Mas agora a minha mãe adora e até quer viajar comigo”, diz.

Mas o rapaz relata dificuldades com alguns moradores da cidade em que vive. “É um lugar pequeno e, por eu estar viajando muito, chegaram a falar que eu estava mexendo com tráfico ou coisas do tipo, porque me viam postando fotos em lugares diferentes. Por isso, cheguei até a fazer uma publicação no Facebook, contando sobre as inseminações.”

Ele já viajou para São Paulo, Goiânia e outras cidades de Mato Grosso do Sul. “Tenho 12 procedimentos agendados para o ano que vem. Devo ir para o Rio de Janeiro, Bahia e Brasília.” Ao todo, já fez oito doações – uma delas culminou em gravidez.

Machado não firma nenhum tipo de contrato com as mulheres, mas destaca sempre deixar claro que não pretende assumir a paternidade. “Eu sei que pode acontecer outras coisas futuramente, e elas podem exigir os direitos. Mas eu prefiro confiar na pessoa.”

O jovem diz que, após o conhecerem, as “tentantes” costumam pedir que ele participe da vida da criança caso o procedimento dê certo. “Eu me disponho a acompanhar o bebê, porém não quero ser considerado pai.

Mas daqui a alguns meses ou anos, pretendo assumir a paternidade da criança de um casal para o qual doarei sêmen. Somente neste caso serei pai, pois o bebê deverá ter meu sobrenome.”

‘Não sei o sobrenome dele’

Uma das mulheres para as quais Machado doou esperma foi a professora Viviane*, de 38 anos, que mora em São Paulo. O procedimento, porém, não deu certo. Meses depois, ela tentou de novo, com outro doador – desta vez, conseguiu engravidar.

“Eu estou com quase 40 anos e sempre quis ser mãe. Sempre tive relacionamentos longos, que acabaram não dando certo. Então, não tinha muito tempo mais. Tentei a inseminação em clínicas, mas era tudo muito caro pra mim”, relata.

Viviane engravidou na terceira tentativa de inseminação caseira. “Eu escolhi esse meu terceiro doador porque ele já tinha conseguido engravidar quatro mulheres. Pedi os exames, assim como fiz com os outros. Estava tudo certo, e então marcamos de nos encontrarmos”, diz.

A inseminação caseira ocorreu pelo método da seringa. A professora conta que nem sequer sabe o sobrenome do doador. “Não tenho muita informação, porque ele disse que não quer contato nenhum com a criança e só pediu para eu enviar fotos do dia em que nascer.”

O procedimento foi feito em um hotel, única vez em que ela viu o doador. “Eu fiquei no local com uma amiga. Ele chegou, foi ao banheiro, me entregou o potinho e foi embora. Em 20 minutos, o homem já não estava mais lá”, conta.

“Sei que ele é casado, mas não sei se a mulher dele tem conhecimento sobre essas doações. Ele não queria que eu soubesse informações dele, assim como eu não queria contar sobre mim. Foi um meio também para eu me preservar futuramente, caso algo aconteça, já que não existe lei para esses casos.”

Logo após fazer o exame, Viviane contou da gravidez aos pais. “Como é uma produção independente, eu tinha que explicar algo para eles. Então disse que foi por meio de inseminação artificial, feita com médicos, pois queria muito me tornar mãe. Não confidenciei a quase ninguém sobre o método caseiro.”

Riscos e impasses

A inseminação caseira não costuma encontrar apoio na medicina.

Secretária-geral da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, a ginecologista Nilka Fernandes Donadio critica o procedimento.

“Quando a gente pensa em inseminação, sabe que ela deve ser feita em laboratório e o sêmen deve passar por um processamento, que elimina fatores que podem trazer consequências graves à saúde da mulher. Na inseminação caseira, ela pode sofrer infecção no colo do útero ao injetar o sêmen por meio de uma seringa.

Além disso, quem garante que os exames feitos pelo doador estão corretos? É difícil chancelar uma indicação para esse procedimento”, diz.

Ela recomenda que as mulheres que pretendem engravidar por meios diferentes de relações sexuais procurem um médico. “Somente um profissional pode dar toda a garantia e segurança sobre qualquer procedimento”, afirma.

Na esfera do Judiciário, a falta de regulamentação no Conselho Nacional de Justiça dificulta processos relacionados ao assunto, explica a advogada especializada em Direito de Família e Sucessões Fernanda Hesketh.

“O Conselho Federal de Medicina regulamenta que a doação de material genético nas inseminações artificiais deve ser anônima e gratuita. Esse é um dos empecilhos que podem ser encontrados em processos relacionados a inseminações caseiras”, detalha.

Apesar da dificuldade, a Justiça de Santa Catarina autorizou um casal de mulheres, que argumentou ter tido o filho por meio de inseminação caseira, a registrar a criança em nome das duas.

“Ou seja, a Justiça brasileira acaba se adequando aos anseios que surgem na sociedade, regulamentando novas situações que não possuem uma solução legal concreta”, diz a advogada.

Em relação aos contratos firmados entre a mãe e o doador, Hesketh menciona que a falta de regulamentação legal acaba fazendo com que os acordos possam questionados judicialmente.

Mesmo ciente da falta de regulamentação do método e dos imbróglios jurídicos que poderá enfrentar posteriormente, João Carlos Holland não pretende deixar de doar espermatozoide. Ele planeja chegar a 100 filhos.

“Não tenho prazo para parar de fazer essas doações. Se eu puder continuar ajudando a gerar vidas e a fazer as pessoas felizes, farei isso até os 100 anos.”

*Nome fictício para proteger a identidade do entrevistado, a seu pedido.

(Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/geral-42145205, data de acesso 10/12/2017)

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