Publicado por Flavia Miranda Oleare
Você já ouviu falar em indenização por perda do tempo?
Recentemente, esta modalidade de indenização tem sido suscitada no Judiciário.
Não é algo consolidado, no entanto, estão surgindo várias correntes defendendo a necessidade de indenização por esta modalidade de dano, que tem sido categorizada como uma espécie de dano moral.
Isso porque o tempo é um bem preciosíssimo e de valor inestimável, pois ele não retorna. Não há dinheiro nem nada no mundo que possa fazer o tempo perdido voltar.
Esta questão merece relevante destaque quando envolve o direito do consumidor, pois em inúmeras situações no dia a dia, somos compelidos a desperdiçar tempo com situações provocadas por empresas, que, obviamente, auferem lucros com isso.
É evidente que a vida em sociedade pressupõe uma série de obstáculos e não é qualquer situação que implicará em dano.
Esta indenização por perda do tempo livre objetiva ressarcir os abusos intoleráveis, em que há REAL desrespeito à dignidade do consumidor, que muitas vezes, têm que alterar sua rotina por dias, semana ou meses, para tentar resolver um problema causado por um fornecedor. Não se trata de um mero atraso, mas sim de um atraso intolerável, de uma desídia grave do fornecedor para com o consumidor.
Como exemplos, podemos citar atendimentos em callcenters, em que os consumidores são “jogados” de atendente em atendente, tendo que repetir a mesma história uma série de vezes e não conseguem resolver o problema. Ou ainda, inúmeras idas a concessionárias para resolver o mesmo problema… Ou indevidas cobranças de taxas bancárias, seguidas de reclamações, de novos débitos indevidos e novas queixas, tendo o consumidor que ficar horas e horas entre telefonemas e e-mails para tentar solucionar a questão.
Com absoluta certeza podemos afirmar que a maioria das pessoas já passou por situações assim. Muitas empresas, por economia, tem um número de funcionários inferior ao necessário e o consumidor fica refém do mau atendimento, gastando um tempo que não tem, pois as exigências da vida moderna são muitas e o tempo é limitado.
Em função disso, o desperdício injusto do tempo, que extrapola a razoabilidade, pode justificar eventual reparação.
Já há algumas decisões judiciais neste sentido, apenas para exemplificar, vale trazer à baila a que segue abaixo:
A Turma Recursal Cível da 5ª Região, por unanimidade de votos, manteve sentença que condenou o Banco Itaucard S/A por cobrança indevida. Amanda Martins Cabral receberá R$ 3 mil por danos morais em decorrência da perda de tempo livre provocada por problemas com seu cartão de crédito.
O relator do processo, juiz Joviano Carneiro Neto (foto), argumentou que a perda do tempo livre ocasionada por atos ilícitos e condutas abusivas de empresas é intolerável e traz transtornos irreversíveis à rotina dos consumidores. “O tempo perdido não volta mais e ninguém pode suportar as diversas horas gastas para resolver um problema”, afirmou.
Consta dos autos que, desde 2011, Amanda passou a receber faturas com cobranças de compras realizadas no exterior, cujo problema foi resolvido em um mês. Mas, ela voltou a ser cobrada indevidamente pelo mesmo motivo. A cliente disse que tentou, por várias vezes, solucionar os problemas e chegou a trocar de cartão de crédito por três vezes, mas o incômodo persistiu, chegando ao ponto de o banco cobrar em uma única conta o valor de R$ 1.044,21. Por tal motivo, a consumidora procurou a Justiça para que fosse declarada a inexistência de débito, além de indenização por danos morais.
Em sentença, o juízo reconheceu a falha do banco e condenou a instituição financeira ao pagamento de indenização no valor de R$ 3 mil. Inconformada, a empresa recorreu, alegando não haver nenhum fato capaz de condená-la, já que, agindo de boa-fé, estornou todos os débitos cobrados indevidamente e que não existiu fato indenizável e caracterizador de dano moral.
A Turma Recursal manteve a sentença por considerar que houve dano moral, consistente nos danos sofridos e no tempo gasto para solucionar os problemas decorrentes do ato abusivo praticado pela instituição financeira. “Os bancos são muito bem remunerados por meio das inúmeras taxas que cobram dos seus clientes, bem como sobre cada transação que realiza para que desrespeitem o consumidor, potencializando seus lucros em detrimento do bem-estar do cliente”, ressaltou Joviano. (Texto: Lorraine Vilela – estagiária do Centro de Comunicação Social do TJGO)
Por todo o exposto, conclui-se que o tempo perdido, ocasionado por ato ilícito ou conduta abusiva das empresas, merece direito à reparação.
Flavia Miranda Oleare
Advogada, inscrita na OAB/ES 306-B, sócia da Oleare e Torezani Advocacia e Consultoria, situado em Vitória/ES (site: http://www.oleareetorezani.com.br). Graduada pela PUC de Campinas em 1998; Pós-graduada em Direito Processual Civil, em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNISUL, em Direito Civil…