Constrangimento Ilegal


Constrangimento Ilegal (Direito Penal): Resumo Completo

O crime de constrangimento ilegal é um dos crimes que integram os crimes contra a liberdade individual (Capítulo VI do Código Penal).

Esse crime está tipificado no art. 146 do Código Penal.

Constrangimento ilegal

Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º – As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º – Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

§ 3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:

I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II – a coação exercida para impedir suicídio.

Em primeiro lugar, é importante entender que “constranger” é obrigar/ compelir alguém a fazer/ não fazer, mediante violência ou grave ameaça, algo que a lei não manda ou não fazer algo que a lei permite.

O crime de constrangimento ilegal é um crime subsidiário.

Isso porque o crime só existe se a conduta não constitui um crime mais específico.

Imagine, por exemplo, que, mediante violência ou grave ameaça “X” obrigue “Y” a ter conjunção carnal.

Neste caso, é evidente que não há o crime de constrangimento ilegal, mas sim o crime de estupro.

É o que dispõe o art. 213 do CP:

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

O crime de constrangimento ilegal é um crime de ação penal pública incondicionada.

Além disso, é um crime de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima é inferior a 2 anos.

É importante destacar que eventual lesão decorrente da violência não será desprezada pelo magistrado.

Art. 146 (…)

§ 2º – Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência

Isso significa que, eventual lesão, por exemplo, de natureza leve, será penalizada cumulativamente com o crime de constrangimento ilegal.

Aplica-se, nesse caso, o critério do cúmulo material, ou seja, somam-se as penas dos crimes de lesão corporal leve (art. 129 do CP) com a pena do constrangimento ilegal.

Além disso, é importante destacar que o próprio tipo penal esclarece que NÃO será constrangimento ilegal (art. 146, § 3º, do CP):

I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II – a coação exercida para impedir suicídio.

Sujeitos do Delito

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, motivo pelo qual é um crime comum.

O sujeito passivo, por sua vez, será a pessoa constrangida.

Assim como no crime de injúria, impõe-se, aqui, discernimento do sujeito passivo para compreender a ameaça.

Objetos do Delito

O objeto jurídico (bem jurídico tutelado) é a liberdade pessoal.

O objeto material, por sua vez, é a pessoa constrangida, ou seja, o próprio sujeito passivo.

Ação Nuclear Típica

O núcleo (verbo) é “constranger” que, como já expliquei acima, é compelir/ obrigar alguém.

O tipo penal dispõe “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.

Elemento Subjetivo

O crime de constrangimento ilegal consuma-se por meio do dolo.

Contudo, o dolo é específico (elemento subjetivo específico) para obrigar o ofendido a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que a lei não manda.

Não há modalidade culposa.

Consumação

Consuma-se o crime com o constrangimento, independentemente da produção de resultado material (naturalístico).

É, portanto, um crime formal.

Além disso, é um crime plurissubsistente e, por isso, admite tentativa.

Causa de Aumento de Pena

A causa de aumento de pena está tipificada no art. 146, § 1º , do CP.

Art. 146 (…)

Aumento de pena

§ 1º – As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

A causa de aumento de pena, portanto, incide se:

  • • Crime é praticado por mais de 3 pessoas;
  • • Crime é praticado com emprego de arma.

Observe que a pena do crime de constrangimento ilegal é “detenção, de três meses a um ano, OU multa”.

Portanto, como regra, a pena de detenção e a pena de multa são penas alternativas.

Todavia, as penas serão cumulativas na hipótese do crime ser praticado por mais de 3 pessoas ou com emprego de arma.

Além disso, nessas hipóteses as penas serão aplicadas em dobro.

Ivo Fernando Pereira Martins

OABSP n. 308461. Advogado graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Direito pela mesma Instituição. Extensão em Mediação e Arbitragem pelo IDC (Instituto de Direito Contemporâneo). Professor de Direito. Atuou como conciliador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Sócio administrador do escritório Martins Sociedade Individual de Advocacia. Sócio fundador do Direito Desenhado (empresa de ensino jurídico).

(Fonte: https://direitodesenhado.com.br/constrangimento-ilegal/, data de acesso: 29/10/2023)

2. Violação da privacidade sob a ótica do direito digital

Publicado por Eder Maximiano

RESUMO: A internet tornou-se fundamentalmente essencial para a maioria das relações, sejam pessoais, comerciais, trabalhistas, estruturais, entre outras. O compartilhamento de informações e ideias é dinâmico, o que ocasionou a mudança de paradigmas quanto aos limites sociais, pois é possível interagir com o mundo todo em tempo real. Desta forma é possível afirmar que a internet vem influenciando o comportamento das pessoas, permitindo desenvolver novas formas de relacionamentos, principalmente no contexto das “redes sociais”, tecnologias criadas para além de proporcionar comunicação, também o entretenimento e livre manifestação de ideias. Contudo, diante do exposto, é comum depararmos com pessoas compartilhando fotos e informações livremente, sem qualquer anuência ou concordância de outrem, o que pode culminar em responsabilidade civil de dano moral ou até mesmo penal em determinadas situações. No âmbito jurídico, a internet é considerada ainda um meio pelo qual se realizam relações jurídicas, e através destas, devem ser analisadas quais as normas cabíveis ao caso concreto levado à apreciação do Poder Judiciário, preservando os direitos e garantias fundamentais e as ressalvas a personalidade.

Palavras-chave: Violação; Privacidade; Internet; Legislação; Personalidade.

ABSTRACT: The internet has become fundamentally essential for most relationships, personal, commercial, labor, structural, among others. The sharing of information and ideas is dynamic, which has led to the change of paradigms regarding social limits, since it is possible to interact with the whole world in real time. In this way it is possible to affirm that the Internet has influenced the behavior of people, allowing the development of new forms of relationships, especially in the context of “social networks”, technologies created in addition to providing communication, as well as entertainment and free expression of ideas. However, in light of the above, it is common to encounter people sharing photos and information freely, without any consent or agreement of another, which can culminate in civil liability for moral or even criminal damage in certain situations. In the legal sphere, the Internet is still considered a means by which legal relationships are realized, and through these, it is necessary to analyze the rules applicable to the specific case brought to the appreciation of the Judiciary, preserving the fundamental rights and guarantees and the personal.

Keywords: Rape; Privacy; Internet; Legislation; Personality.

EXPOSIÇÃO DA TEORIA

1. INTERNET – PERSONALIDADE, INTIMIDADE E PRIVACIDADE

A evolução tecnológica, concernente aos sistemas de informações digitais, modificou a realidade social, adentrando todas as esferas da atividade humana, gerando novas formas de relações e necessidades de regulamentação pelo sistema jurídico, exigindo de cada indivíduo certas precauções para evitar situações e invasões de sua privacidade decorrentes desta nova ótica.

A propagação das redes sócias e sites de compartilhamento contribuíram para o aumento dos riscos de violação de privacidade, principalmente pela divulgação direta e indireta de dados pessoais, pois muitas empresas utilizam essas mesmas ferramentas para compor seus bancos de dados com informações sobre os usuários, com intuito comercial, oferecendo produtos e serviços de acordo com as preferências deduzidas através das informações captadas.

A privacidade e os direitos individuais foram uma das mais significativas conquistas da sociedade ocidental, transformando o convívio em sociedade, a necessidade de se proteger a vida privada surgiu da conflitante relação entre o indivíduo e a sociedade.

A evolução da doutrina internacional sobre os direitos de personalidade e dos direitos fundamentais, neles contidos o direito à privacidade, derivam da constituição alemã de 1949, desde então esses conceitos ganharam força e propagaram-se por toda a doutrina e jurisprudência mundial.

No Brasil, a promulgação da Constituição de 1988, tornou a dignidade da pessoa humana um dos seus fundamentos, estipulando suas garantias e direitos fundamentais.

A intimidade e a privacidade são consideradas no Direito Civil brasileiro como direitos inerentes a personalidade e, segundo a Constituição, é um direito fundamental, conforme dispõe o artigo 5º, inciso X:

“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

2. PRIVACIDADE NO AMBIENTE DIGITAL

O conceito de direito à privacidade é subjetivo, pois é inerente a cada indivíduo delimitar os fatos e informações que deseja manter sob sigilo. Desta forma, podemos conceituar a privacidade digital como a habilidade de um indivíduo em controlar a exposição e a disponibilidade de informações, seja de si próprio, de um conhecido ou até mesmo de um desconhecido, na internet, através de redes sociais e sites compartilhamento de dados. Atualmente, a arquitetura da internet permite o desenvolvimento de novas tecnologias de controle de informações, alterando substancialmente a forma como cada pessoa visualiza a privacidade.

Diversos sites de internet possuem selos de privacidade, mecanismos que certificam se determinados site possui uma política de privacidade e segurança na transmissão de dados. Tais mecanismos visam executar rotinas de segurança e controle de tráfego, em conformidade com as políticas da empresa, desta forma, assegurando ao usuário uma maior garantia de que o site cumpre com as políticas de privacidade definidas. As organizações que emitem o selo de privacidade não verificam se as práticas nessa políticas são abusivas , apenas se o site viola ou não sua política de privacidade .

Seguindo esta linha de pensamento, existem diversos doutrinadores que defendem o conceito de que o Direito também precisa mudar, “São cada vez mais frequentes as relações entre o Direito e a Informática, de modo que se chega até a defender a existência de um novo ramo do Direito”1.

O Marco Civil da Internet, lei 12.965/14 também trata deste assunto procurando estabelecer os princípios fundamentais, objetivos e suas garantias, assim como as diretrizes para a atuação do Poder Público no tocante da inclusão digital e ações de educação para uso da Rede. O artigo 7º assim define:

“Art. 7º- O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

  • I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
  • II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
  • III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;”

Contudo, a entrada em vigor do Marco Civil da Internet muda a forma das operações das empresas que atuam ou prestação serviços pela web. Estas deverão ser mais transparente e consistentes na proteção dos dados pessoais e privacidade dos usuários. Em regra, as empresas que coletam dados dos usuários para fins de publicidade, como exemplos de anúncios dirigidos, que eventualmente aparecem no perfil do usuário das redes sociais, não poderão mais repassar suas informações para terceiros sem o seu consentimento expresso.

3. APRESENTAÇÃO DOS FATOS

O poder judiciário vem demostrando avanços no tocante a esta nova abordagem do direito, como se vê nos julgados abaixo, ambos decorrentes de violação a privacidade por meio de redes sociais:

Processo: APL 02148597820138190001 RJ 0214859-78.2013.8.19.0001

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE PRIVACIDADE DOS AUTORES, EM RAZÃO DA VEICULAÇÃO, PELA RÉ, DE IMAGENS E AFIRMAÇÕES DIFAMATÓRIAS, COMPARTILHADAS NO PERFIL DELA NA REDE SOCIAL FACEBOOK. ENVIO DE MENSAGENS DE TEXTO AOS CELULARES DOS AUTORES COM CONTEÚDO AMEAÇADOR. DANO MORAL CONFIGURADO.

Ajuizamento de ação em que os autores alegaram que são casados há 36 anos, e que do relacionamento tiveram 4 filhos. Aduziram que o primeiro autor, há aproximadamente 3 anos, iniciou relacionamento extraconjugal com a demandada, o qual se findou, por iniciativa dele próprio, em dezembro de 2011. Narraram que a ré, inconformada com o término do relacionamento, passou a perseguir, ameaçar e disseminar afirmações difamatórias a respeito do primeiro demandante, expondo o casal e toda sua família, com atos que repercutiram no âmbito pessoal e empresarial. Ressaltaram que a demandada valeu-se das redes sociais, e-mails, telefonemas, e mensagens de texto enviadas através do celular. Esclareceram que, no seu intento difamatório, a ré criou perfil na rede social Facebook, onde postou diversas fotos dela como primeiro autor, além de ter veiculado inúmeras mensagens sobre o primeiro autor, discorrendo inverdades sobre sua vida financeira, sobre a vida pessoal de seus filhos e sobre a segunda autora noticiando, inclusive, novo relacionamento extraconjugal que o primeiro autor teria contraído, em substituição ao que mantinha com a ré. Prosseguiram na narrativa aduzindo que a ré passou a realizar incessantes ligações para os números de celulares dos autores, além de lhes enviar mensagens de texto com conteúdo difamatório e ameaçador. Sustentaram estar sofrendo verdadeiro martírio em razão da conduta da ré, razão pela qual entendem fazer jus à compensação moral. Requereram, liminar e definitivamente, que: (1) fosse determinada a intimação da empresa Facebook para que, no prazo máximo de 48 horas, procedesse o bloqueio ou exclusão do perfil da ré, bem como para que retire todo e qualquer tipo de conteúdo (fotos, vídeos, textos/postagens, etc.) que envolvam os autores, seus filhos, demais familiares e amigos; (2) fosse determinado à ré abster-se de: (a) inserir qualquer material a respeito dos autores, seus filhos, demais familiares e amigos na rede social Facebook ou qualquer outra de igual propósito; (b) efetuar ligações telefônicas ou enviar mensagem de texto e e-mails aos autores, seus filhos, demais parentes e amigos, notadamente aquelas de cunho ofensivo à sua imagem, honra e moral; (c) perseguir os autores, filhos e demais familiares, sob pena de multa por cada evento comprovado nos autos; (d) fazer qualquer visitação ao local de trabalho, à residência ou qualquer outro lugar em que se encontrem os autores, seus filhos e demais familiares e amigos, devendo ainda a ré manter uma distância regulamentar mínima, a ser arbitrada pelo juízo, tudo sob pena de multa. Por fim, postularam a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo juízo.

Outro exemplo de ação ajuizada sobre o mesmo tema:

“APELAÇÃO CÍVEL -AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS -DIVULGAÇÃO DE FOTOGRAFIAS ÍNTIMAS DE EX NOIVA NA INTERNET -AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO -PROVA DOCUMENTAL NÃO DESCONSTITUÍDA -OFENSA À IMAGEM -DIREITO AUTÔNOMO -DANO MORAL PRESUMIDO -DESNESSIDADE DE COMPROVAÇÃO -RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.”

“Responsabilidade civil. Dano moral. Imagem. Privacidade. Fotografia sem autorização. Internet e jornal.i – a profissional que atuou como fotógrafa enviada pelo sebrae e tirou foto para instruir matéria veiculada por esse no site da internet não tem legitimidade passiva ad causam para compor pólo passivo de demanda na qual se postula indenização por dano moral embasada em uso indevido da imagem. Mantida ilegitimidade passiva da fotógrafa.ii – a veiculação da fotografia do autor, sem sua autorização, em site da internet e em jornal violou os direitos personalíssimos à imagem e à privacidade, assegurados pela constituição federal, art. 5º, inc. X. Constituição federal 5ºxiii – a valoração da indenização pelo dano moral, entre outros critérios, deve observar a gravidade, a repercussão, a intensidade e os efeitos da lesão, bem como a finalidade da condenação, de desestímulo à conduta lesiva, tanto para o réu quanto para a sociedade. Deve também evitar valor excessivo ou ínfimo, de acordo com o princípio da razoabilidade. iv – apelação provida”. (20789320088070008 DF 0002078-93.2008.807.0008, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/02/2010, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 08/03/2010, DJ-e Pág. 143)

4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL NA INTERNET

No ambiente digital são muitas as práticas que podem desencadear lesões a direitos alheios, decorrentes de práticas muitas vezes conscientes. A responsabilidade civil pode decorrer dessas práticas ou atos ilícitos, culminando em dano causado, podendo ser patrimonial ou moral. O indivíduo ofensor responde com seu patrimônio na devida proporção do dano causado pelo mesmo, conforme consta no artigo 186 do Código Civil:

“Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Para responsabilizar alguém por um ato ilícito é necessário primeiro verificar se estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo, relação de causalidade e dano.”

Porém, para responsabilizar alguém por um ato ilícito é necessário verificar se certos pressupostos da responsabilidade civil estão presentes, como: ação ou omissão, culpa ou dolo, relação de causalidade e dano (material ou moral).

Segundo Gonçalves (2008, p. 34-37):

“Qualquer pessoa que causar dano a outrem por ação ou omissão, se provado o dolo ou a culpa, pois o diploma civil adota a teoria subjetiva, e ainda demonstra que esse dano (material ou moral) só existiu por causa da conduta (ação ou omissão) dessa pessoa, surge a responsabilidade, pois a obrigação de indenizar decorre da existência de violação de direito e dano.”

A responsabilidade dos atos, da qual trata o artigo 186 da matéria civil é subjetiva, de modo que comprovada a conduta do agente, o dano e o nexo de causalidade, será necessária ainda aferir se houve dolo ou culpa do mesmo.

O anonimato nas relações virtuais na Internet, é outro problema a ser discutido, pois dificulta a localização do agente ofensor, consequentemente dificultando também a repreensão dos atos ilícitos praticados por ele. Sendo assim constatada a internet como um campo fértil para a ocorrência de diversos tipos de atos danosos aos usuários como, por exemplo: as fraudes nos e-commerces, textos publicados de caráter ofensivo a dignidade da pessoa humana, obras intelectuais que são plagiadas ou até mesmo disponibilizadas sem o devido consentimento do autor em desrespeito a lei dos direitos autorais (Lei 9610/98), os cookies e spyware ocultados nas páginas de internet que captam informação para traçar o perfil do usuário, assim como vários outros meios.

Além da reparação dos danos cíveis causados no ambiente virtual, alguns atos também são passiveis de processo penal, como nos crimes contra a honra, injuria e difamação, também podemos citar a extração de dados e informações confidenciais praticados por criminosos virtuais (Hackers).

Existem certos crimes virtuais em que o computador é apenas o instrumento para execução do delito, assim, não sendo a inviolabilidade dos dados o bem jurídico tutelado pela norma penal. Nestes casos a conduta do agente pode ser enquadrada em uma das normas penais existentes, contudo, há outras condutas que causam danos maiores, suficientes para se obter a tutela penal, mas, pela ausência do tipo penal especifico, podem cair na impunidade, conforme versa o princípio da reserva legal presente no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal e também o artigo 1º do Código Penal: “não há crime sem lei que o defina, não há pena sem cominação legal”.

Alguns projetos buscam trazer para o nosso ordenamento novos tipos penais, no sentido de gerar responsabilidade penal aqueles que provocam atos ofensivos através da internet, como por exemplo o projeto de lei PLC Nº 2.793, em analise a algum tempo, que tem como escopo a tipificação criminal dos delitos informáticos, incluindo o artigo 154-A e seus incisos, 154-B e alterando o artigo 266 e 298, todos do Código Penal Brasileiro. Que possuem a seguinte redação no referido projeto:

“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não a rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa

§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.

§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

§ 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.

§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:

  • I – Presidente da República, governadores e prefeitos;
  • II – Presidente do Supremo Tribunal Federal;
  • III – Presidente da Câmara dos Deputados; do Senado Federal; de Assembléia Legislativa de Estado; da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara de Vereadores; ou
  • IV – Dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.

Art. 266. Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico, telefônico ou telemático, ou impedir ou dificultar-lhe o restabelecimento:

§ 1º Incorre na mesma pena quem interrompe ou perturba serviço de informação de utilidade pública, ou outro serviço de utilidade pública, ou impede ou dificulta seu restabelecimento.

Art. 298 (…)

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito.”

5. DA PROTEÇÃO DOS DADOS NA INTERNET

5.1. MARCO CIVIL DA INTERNET – Lei 12.695/14

Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

Atualmente, é a lei de maior importância em vigência no âmbito da regulamentação e proteção das relações estabelecidas por meio da internet. O Marco Civil da Internet, versa especialmente sobre a proteção aos dados dos usuários, garantia esta que só pode ser dissolvida mediante ordem judicial.

Sobre eventuais responsabilizações por danos decorrentes de mal uso da expressão, incluindo ofensas ou até mesmo indevida disponibilização de dados pessoais, primeiramente devemos considerar duas vertentes primárias, sendo estas denominadas como: Provedores de Conexão e Provedores de Aplicação, os quais distinguem-se da seguinte forma:

A) PROVEDOR DE CONEXÃO: É toda pessoa jurídica fornecedora de serviços de conexão para os consumidores, concedendo acesso à internet.

B) PROVEDOR DE APLICAÇÃO: É toda pessoa jurídica fornecedora de um conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet. Um bom exemplo desse tipo de aplicação são as redes sociais.

Posto esta diferenciação, devemos verificar que, na hipótese de eventual responsabilidade civil por danos decorrentes de conteúdos ofensivos gerados por um usuário, como por exemplo uma mensagem de cunho ofensivo postado em uma rede social, a responsabilização por esta conduta terá diferentes consequências para estes provedores, conforme previsão legal desta lei, no que se traduz:

“Art. 18. O Provedor De Conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.”

Dessarte, a lei não dá margem de interpretação diversa, entendendo que este tão somente concede acesso à internet, portanto não é possível atribuir a este fornecedor a reparação de danos ou mesmo indenizações.

Situação inversa temos quanto ao Provedor de Aplicação, conforme verifica-se nos artigos 19 e 21:

“Art. 19. Com intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o Provedor De Aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Neste caso, não basta uma simples notificação para que o Provedor de Aplicações seja compelido a retirada o conteúdo lesivo emitido por terceiro, é preciso uma ordem judicial especifica, o qual deverá apurar a natureza da ofensa em “lato sensu” e, somente na omissão do cumprimento da aludida ordem judicial é que efetivamente poderá o Provedor de Aplicações responder pelos danos decorrentes do fato ou ato de terceiro.

Insta discorrer sobre ofensas de maior grau, sendo classificadas como aquelas de caráter privado, ligados a intimidade dos usuários, ou seja, conteúdo de cenas de nudez ou atos sexuais propriamente, que expõem potencial risco a incolumidade moral e psíquica, quando inadvertidamente disponibilizadas sem consentimento de seus participantes, encontrando abarcadas pelo artigo 21 desta lei, devendo o provedor obrigatoriamente efetuar a total retirada de tais conteúdos mediante simples notificação da parte ou vítima ora exposta, conforme se vê abaixo:

“Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.”

Resumindo, podemos destacar assim o entendimento de maneira geral:

Somente os provedores de aplicações poderão ser responsabilizados pelo conteúdo ofensivo gerado por terceiros.

A responsabilidade dos provedores de aplicações é subjetiva, ou seja, somente se o provedor agir com descuido, não cumprindo a ordem judicial, ele será responsabilizado.

Ofensa relativas a nudez ou atos sexuais, são de caráter privado, portanto, basta simples notificação para que o provedor seja impelido a retirar o conteúdo do seu banco de dados.

Para outras modalidades de ofensas não exemplificadas, será necessário ordem judicial para que o provedor efetue a retirada de conteúdo.

Ressalta-se ainda que, na hipótese do usuário comum demandar pelo encerramento de seu cadastro ou conta pessoal inserta em rede social ou outros serviços disponíveis na Internet, este poderá solicitar que seus dados pessoais sejam excluídos de forma definitiva, devido a sua natureza privada, tendo o Marco Civil vedado qualquer óbice a esta feita.

Nos artigos da supra Lei, podemos observar a relevância que foi dada relativa a preservação e proteção da privacidade, conforme segue abaixo:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

(…)

II – proteção da privacidade;

Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Art. 11º Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

5.2. DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD)

A lei nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), teve sua criação inspirada diretamente sobre os reflexos de anos de discussões sobre privacidade e segurança de dados na União Europeia, que culminaram na aprovação da General Data Protection Regulation (GDPR), promulgada em 25 de maio de 2018.

A LGPD contem regras e limitações para a coleta e armazenamento de dados pessoais dos usuários, com objetivo de garantir a segurança e o uso de dados sensíveis ou informações que possam identificar um indivíduo, o que certamente representará um desafio para empresas, pois deverão se adaptar a essa nova realidade.

A maior proteção aos dados se faz necessária, visto o crescente incidente de roubo de dados mediante ataques em sua maioria de autoria de grupos de hackers, entre outros. Prova disso é a divulgação recente de um estudo chamado The Future of Cybercrime & Security, divulgado pela consultoria Juniper Research em setembro de 2018, o qual aponta que nos próximos cinco anos aproximadamente 146 bilhões de registros de dados deverão ser usurpados ou roubados via extração por mecanismos de infiltração e coleta (hacks) em todo o mundo. O mesmo estudo ainda alerta que ocorrências do tipo só tendem a aumentar, o que presume-se a urgência da necessidade das empresas em criarem ou adotarem ferramentas adequadas e seguras contra eventuais ataques desta natureza.

Desta forma, a alteração proposta pela LGPD afetará todos os setores da economia e também todas as empresas, inclusive subcontratantes como fornecedores, parceiros e agências, assim que esta passar a vigorar em pleno.

Por fim, cumpre citar que as empresas só poderão coletar dados pessoais mediante consentimento do titular, sendo obrigatório a informação e o motivo da coleta dessas informações, assim como sua destinação e tratamento. Todavia, o usuário terá direito a fácil acesso a tais dados, podendo a qualquer momento revogar o uso dos mesmos. Questões sensíveis, como religião, posição política ou orientação sexual serão tratados com ainda mais rigor após este advento, conforme verifica-se em alguns de seus artigos abaixo transcritos:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.”

“Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

  • I – o respeito à privacidade;
  • II – a autodeterminação informativa;
  • III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;
  • IV – a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
  • V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
  • VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
  • VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.”

“Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

  • I – dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
  • II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;
  • III – dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;
  • IV – banco de dados: conjunto estruturado de dados pessoais, estabelecido em um ou em vários locais, em suporte eletrônico ou físico;
  • V – titular: pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento;
  • VI – controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais;
  • VII – operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador;”

“Art. 17. Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei.”

CONCLUSÃO

De fato a criação da internet, tanto do aspecto histórico como tal qual a conhecemos atualmente, de certo provocou verdadeira evolução e dinamismo social, constituindo um verdadeiro marco histórico da humanidade, quebrando os limites de interação territorial, globalizando a comunicação e os negócios, disseminando o conhecimento e criando novas perspectivas econômicas mundiais. Existem os prós e contras na sua utilização, no entanto, é inegável a dependência que a ela provocou na sociedade como um todo. Justamente por este fato é que não se deve deixar de questionar os inconvenientes que surgiram desta inovação tecnológica, principalmente no que se refere à violação da privacidade dos usuários consumidores.

Assim como a tecnologia evolui rapidamente, na mesma proporção é sentida a ausência de meios e ferramentas adequadas para combater os casos de violação da privacidade sem expor excessivamente ou até mesmo violar direito de expressão e manifestação de outrem, dificultam a prevenção e repressão a estes atos.

Todavia, é notável que, mesmos a curtos passos, nosso ordenamento jurídico vislumbra a importância do regramento no âmbito das relações digitais, reconhecendo o direito digital como um campo necessário para combater os atos ilícitos na “era da informação”, pois a internet esta em constante evolução e o direto também precisa evoluir na mesma medida, se fazendo necessária uma verdadeira revolução legislativa que possa acompanhar, ou ao menos diminuir, a defasagem entre o “mundo virtual” e o “direito real”.

Respeitar a privacidade alheia e exigir sua privacidade é virtude que todos devemos ter, desta forma, limitar o que irá veicular na internet é substancialmente facultada a cada indivíduo.

Mister se faz a defesa da privacidade tal como é feita a da propriedade, a igualdade e as liberdades em toda a sua plenitude.

BIBLIOGRAFIA

  • CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Crimes Digitais. Editora Saraiva, 2011.
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 4 v.
  • JESUS, Damásio de. Marco Civil da Internet: comentários à Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014. Editora Saraiva (Edição Digital -Ebook) 2014.
  • Marco Civil da Internet – LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014.
  • ZULIANI, Ênio Santarelli, LOUREIRO, Francisco Eduardo, JÚNIOR, Harnid Charaf Bdine, SANTOS, Manoel J. Pereira, LEONARDI, Marcel, SILVA, Regina Beatriz Tavares – Responsabilidade Civil na Internet e nos demais Meios de Comunicação – Editora Saraiva, 2012, 2º Edição. (Edição Digital – Ebook)
(Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/violacao-da-privacidade-sob-a-otica-do-direito-digital/1246424723, data de acesso: 29/10/2023)

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