Publicado por Ian Ganciar Varella
Introdução
A infidelidade e os amores paralelos fazem parte da trajetória da humanidade. Não devemos pensar que a discussão dos direitos dos amantes traduz frouxidão dos valores morais, até porque se há crise de valores são por motivos como falta de modelo ético, sucateamento do ensino, desigualdade social ainda acirrada e não por causa da infidelidade em si, até porque é um assunto que acompanha a trajetória humana.
Maria Berenice Dias sobre o dever de fidelidade conjugal:
Se a fidelidade não é um direito exequível e a infidelidade não mais serve como fundamento para a separação, nada justifica a permanência da previsão legislativa, como um dever legal, até porque ninguém é fiel porque assim determina a lei, ou deixará de sê-lo por falta de uma ordem legal. Não é a imposição legal de normas de conduta que consolida ou estrutura o vínculo conjugal, mas simplesmente a sinceridade de sentimentos e a consciência dos papéis desempenhados pelos seus membros (…)
(…) Talvez esteja na hora de se abandonar a expressão “cônjuge”, que tem origem na palavra jugum, nome dado pelos romanos à canga que prendia as bestas à carruagem, daí o verbo conjugere designar a união de duas pessoas sob o mesmo jugo, a mesma canga. Talvez seja o caso de se resgatar a palavra “amante”, que significa tanto a pessoa que ama como quem é o objeto do amor de alguém, expressão que melhor identifica a razão de as pessoas ficarem juntas, ou seja, porque se amam., link.
Caso exemplificativo
O cidadão, casado na cidade do Florianópolis, viaja com frequência a São Paulo, por razão profissional. Lá, conhece uma mulher e não conta o fato de ser casado, após algum tempo de relação, passam a conviver com ela, de forma pública e constante, todas as vezes que está em São Paulo.
Direito da (o) Amante
Pela a redação da união estável, não é exigido coabitação, prole ou período mínimo, nos termos do artigo 1723, do Código Civil.
No § 1º do artigo acima e no artigo 1727 diz que a união estável não se constituirá se as duas pessoas forem casadas, pois nesse caso seria concubinato.
No julgamento da apelação pelo o TJCE:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. SIMULTANEIDADE DO CASAMENTO COM RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.723, § 1º, CC/02(APL: 00017455520078060154)
Por isso, como no caso exemplificativo não há qualquer impedimento, a pergunta que fica é o direito deve tutelar essa questão ou o companheiro inocente deve ficar a Deus dará?
Tutela do direito em relação ao concubinato
Como disse, pela redação do artigo 1727 do Código Civil, é previsto o impedimento para união oficial de ambos.
Porém mesmo que as duas partes saibam, mas motivada pela adrenalina ou simplesmente pela química existente, continuem essa relação.
Fica a pergunta, se não deve existir a tutela do direito, isto porque às vezes dessa relação fugaz se transforma numa relação com raízes de convivência e com um vínculo tão forte.
E o STJ já decidiu essa questão do concubinato, em relação ao dever de indenizar a parte que prestou serviços domésticos ao companheiro, onde se constituiria uma sociedade de fato, link.
E também no julgamento sobre o abandono de ex-amante, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a mulher deveria ser indenizada por ter investido dinheiro na relação, onde durante 12 anos, a concubina dividiu o parceiro com a sua mulher oficial. Separado da mulher, o parceiro passou a ter com a ex-concubina uma relação estável, link.
Como vimos, houve a tutela do Direito Obrigacional, e no Direito de Família seria possível ocorrer essa tutela?
Pablo Stolze entende que:
Tempo, afeto e aparência de união estável – admitindo-se óbvia mitigação do aspecto de publicidade – são características que, em nosso sentir, embora não absolutas de per si, devem conduzir o interprete a aceitar, excepcionalmente, a aplicação das regras do Direito de família, a exemplo de pensão alimentícia ou de regime de bens.[1]
Em relação ao regime de bens, entende-se que deve abranger somente o patrimônio adquirido na constância da relação, devendo ser provado e não existir uma presunção de que todo patrimônio foi adquirido conjuntamente.
No REsp 674.176, decidiu sobre pensão por morte e rateio entre viúva e concubina:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE VIÚVA E CONCUBINA. SIMULTANEIDADE DE RELAÇÃO MARITAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE.
(…) a exigência para o reconhecimento da união estável é que ambos, o segurado e a companheira, sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, ou viúvos, que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto, excluindo-se, assim, para fins de reconhecimento de união estável, as situações de concomitância, é dizer, de simultaneidade de relação marital.
2. É firme o constructo jurisprudencial na afirmação de que se reconhece à companheira de homem casado, mas separado de fato ou de direito, divorciado ou viúvo, o direito na participação nos benefícios previdenciários e patrimoniais decorrentes de seu falecimento, concorrendo com a esposa, ou até mesmo excluindo-a da participação, hipótese que não ocorre na espécie, de sorte que a distinção entre concubinato e união estável hoje não oferece mais dúvida. (..)
Ainda sobre pensão por morte, em sentido diverso:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL, E PREVIDENCIÁRIO. DIVISÃO DE PENSÃO POR MORTE ENTRE VIUVA E COMPANHEIRA. COMPROVAÇÃO DE COABITAÇÃO EM REGIME MARITAL E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 226, § 3º, DA CF, 1.723, DO CÓDIGO CIVIL E 27, § 2º, DA LC Nº 28/00. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS.
(TJPE – AP/RN: 00050750420028170001, Relator: JOSÉ IVO DE PAULA GUIMARÃES, Data de Publicação: 17/12/2015)
Em recente decisão da 3ª Turma do STJ, entendeu-se que é devido a pensão alimentícia à concubina que conviveu por 40 anos com o companheiro, link.
Conclusão
Como se vê, o entendimento dos tribunais ainda é bem conservador, em relação a certos assuntos, porém quanto ao direito obrigacional e direito de família, em especifico a pensão alimentícia e regime de bens, e no direito previdenciário a questão não é pacificada quanto à possibilidade de concessão da pensão por morte em relação ao concubinato ou amante.
Bibliografia
[1] Novo Curso de Direito Civil, v. 6. P. 485. Ebook.
Autor – Ian Ganciar Varella Advogado e Cientista Jurídico
Consultor Jurídico | Ingressante na Pós Graduação de Previdenciário na Faculdade Legale | Bacharel pela UNIFIEO em 2015. | Cursos Jurídicos: ContractsX 2016 – Harvardx, Processo Judicial e Administrativo Previdenciário | E- mail: Ian_varella@hotmail.com | br.linkedin.com/in/ianvarellaadv
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Tópicos de legislação citada no texto
- Constituição Federal de 1988
- Artigo 1727 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002
- Parágrafo 1 Artigo 1723 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002
- Artigo 1723 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002
- Parágrafo 3 Artigo 226 da Constituição Federal de 1988
- Artigo 226 da Constituição Federal de 1988
- Lc nº 28 de 09 de Agosto de 2000 do Munícipio de Franca