Ele chegou a sofrer tentativas de homicídio pelo envolvimento com o crime. “O que eu fazia era correr da polícia”. Hoje, o atleta é o líder do ranking da Federação Cearense de Triathlon
Por Lucas Barbosa em Perfil – 30 de outubro de 2017 às 07:00
Quem vê as inúmeras conquistas do triatleta cearense José Edson Vitorino de Souza nem desconfia que há seis anos, quando tinha 22, ele sequer sabia nadar. Também não passaria pela cabeça de quem o visse anos antes que ele chegaria tão longe. Afinal, era envolvido com o tráfico de drogas, no bairro Vila Velha, em Fortaleza.
Dudé, como é conhecido, hoje, é um dos principais atletas cearenses na modalidade. Terminou 2016 em primeiro lugar no ranking da Federação de Triathlon do Ceará (Fetriece) nas categorias olímpico, e em segundo, na sprint. Ainda liderou o ranking de aquathlon e duathlon. Em 2017, o resultado foi tão bom quanto: líder no sprint e no duathlon terrestre.
Mesmo em um período considerado “curto” de carreira, os títulos são computados às dezenas. O último foi nesse mês de outubro, a II Etapa do Campeonato Cearense de Triatlo Olímpico. Uma semana antes, ele havia vencido a Copa Brasil de Sprint, disputada em Manaus (AM), na categoria 25 a 29 anos.
A conquista que mais se orgulha, porém, é uma fora de suas especialidades: o Iron Man de 2015. Mesmo sem treinar especificamente para provas longas como aquela, ele não só conseguiu completá-la como foi o segundo melhor nadador. Terminou o Iron Man em 10 horas, 13 minutos e 23 segundos e com sete quilos a menos, na 43ª posição.
Isso porque uma semana antes havia disputado uma etapa do Cearense de Triatlo — só aceitou participar porque foi inscrito por terceiros e “por ser de projeto social e o custo ser muito alto, não gostar de recursar”. Dudé se considera um atleta veloz, especialista nas provas curtas da categoria sprint.
A falta de patrocínio o tirou, porém, de voos mais altos. Excluiu-o, por exemplo, dos campeonatos mundiais de Longa Distancia e de Aquathlon disputados em agosto passado em Penticton, no Canadá, para os quais havia sido convocado pela Confederação Brasileira de Triathlon. Ao todo, ele computa 16 convocações para eventos mundiais, todas inviabilizadas pela falta de patrocínio.
Aos 28 anos, Dudé recebe apoio de projeto tocado pela Santiago Ascenço Assessoria Esportiva e pela Fetriece. Ainda assim, ele precisa trabalhar — em uma loja de surfe. Treina das 4h às 7h e, aí, parte para o emprego. Só à tarde completa o treinamento — são, ao todo, oito horas diárias de dedicação ao esporte.
“Para viver de triathlon no estado ainda não dá“, sentencia. Disputar competições nacionais ainda sai de seu bolso. Ele aponta que rusgas entre atletas e empresário em outras épocas recaem nos desportistas desta geração, já que gerou o distanciamento destes do esporte.
Talvez a história fosse diferente se ele tivesse se transferido para um clube do Sudeste, a exemplo de cearenses como Manoel Messias. Foi o que chegou a ouvir de um representante de uma dessas equipes. “Eu já comecei na categoria Elite, sem passar pela Júnior e pela Sub-23”, afirma, citando a idade avançada como entrave para os olheiros.
No entanto, o maior feito ele conseguiu alcançar. “Seu eu continuasse [na criminalidade], eu iria morrer”. Ele já havia sofrido diversas tentativas de homicídio. Na adolescência, tinha sido apreendido pela polícia. Ao ver o rumo que, certamente, Dudé teria, um amigo resolveu recomendá-lo o esporte.
Foi às aulas de natação do Cuca da Barra do Ceará e, lá, recebeu o convite para tentar o triathlon. A dedicação que empregava chamou a atenção da professora e triatleta Verônica Oliveira. Até porque, ressalta, ele não tinha conhecimento nenhum sobre o esporte até então. “Eu vim do zero. A única coisa que eu fazia era correr da polícia, como os meus amigos diziam. A galera brinca: ‘ele corre muito porque corria da polícia”.
A Fetriece o custeou uma bicicleta profissional e, dois meses depois, ele já era campeão cearense e participante no Núcleo de Alto Rendimento (NAR), da Fetriece.
O esporte não só o deu uma nova carreira, como mudou até aspectos de sua personalidade, a exemplo do jeito de falar. No mundo do triathlon, ainda conseguiu os empregos que o tirariam de vez do mundo da criminalidade. “Minha realidade lá no Vila Velha era outra. O crime era o que tinha mais perto, onde eu morava. Fui pelo caminho mais fácil”.
Mas o melhor mesmo ainda está por vir. É o seu filho Victor Hugo Lopes Pereira da Silva, de 14 anos. O adolescente já contabiliza cinco títulos nacionais. Tal como o pai, ele é líder do ranking da Fetriece no sprint, na categoria 14-15 anos, assim como lidera no duathlon terrestre.
O garoto começou no triathlon antes do pai, embora só tenha passado a se dedicar mais ao esporte quando Dudé também começou a praticar. “Se ele continuar com foco e tiver mais apoio, ele vai representar para o Brasil as Olimpíadas. Ele é muito novo e já consegue acompanhar o pessoal mais velho”, projeta o pai.