Os fatos e circunstâncias que levam uma pessoa a se tornar líder numa empresa são diversos e, independentemente das razões que a colocaram em tal posição, inevitavelmente recai sobre si inúmeras responsabilidades e expectativas, tanto de seus superiores no cumprimento de metas, quanto de seus subordinados na assertividade das ações diárias.
Dentre as principais dificuldades enfrentadas por líderes, está a habilidade relacional na administração de pessoas com vistas a otimizar o potencial humano, principalmente diante do cenário composto por diferentes gerações.
Ao considerar tal cenário, a psicanálise traz à tona a importância do fato de que cada indivíduo traz em si e para as empresas não só as características de suas gerações e perfis profissionais, mas também as marcas de suas histórias familiares, suas primeiras experiências, inclusive aquelas que nem se lembram, mas que determinaram suas crenças, valores e jeito de ser. O grande benefício da psicanálise na empresa é a possibilidade de transformar toda essa dinâmica de diversidade em potencial criativo e produtivo no sentido de otimizar o potencial humano, de forma a beneficiar primordialmente o indivíduo e consequentemente a empresa.
Ao investir em líderes, as empresas estão investindo na administração de seus bens, sejam materiais ou humanos, no sentido de alcançar seus principais objetivos. A posição de liderança é composta por pessoas que, com suas histórias e experiências, darão vida e sentido a seus cargos. Diretores, gerentes, supervisores dentre outros que, na realidade são homens e mulheres, mas que algumas vezes não se reconhecem como tal, afirmando-se por meio de seus títulos e posições.
Como administrar pessoas sem reconhecê-las em sua humanidade, com sua bagagem própria de experiências, limites e emoções? O grupo deseja organizar-se em torno de sua liderança assim como uma criança em torno de seus pais, porém para que isso ocorra, é essencial que o líder acredite fielmente em suas ideias e tenha clareza a respeito dos valores que defende na vida, para assim corresponder e influenciar sua equipe.
O autoconhecimento é um fator decisivo no direcionamento da equipe, pois quanto maior a consciência do líder sobre seus medos e inseguranças, menor será a chance de se tornar vítima de seus anseios inconscientes ou de vitimizar seus subordinados.
A equipe transfere seus sentimentos e expectativas infantis para o líder, e este corresponde também a partir de seus fantasmas ocultos, consolidando no ambiente de trabalho a relação de transferência e contra–transferência, favorecendo assim, a fantasia de seus liderados que o tem ora como herói, valente combatente, ora vilão tirano que os contraria em seus desejos infantis.
O mecanismo transferencial no ambiente de trabalho influencia diretamente as relações entre funcionários e gestores, onde os subordinados transferem para seus superiores sentimentos relativos às figuras paternais, como amor, ódio, inveja, dependência, confiança, entre outros. Afetando, inclusive a organização sistêmica da equipe, onde o líder deixa de ocupar devidamente seu lugar cedendo a pressões emocionais de seus liderados, assim como pais que não ocupam seus lugares cedendo às manifestações mimadas de seus filhos. O resultado nas duas situações é desastroso e altamente destrutivo.
Estar líder ou ser líder? Eis a questão a ser respondida diante do desafio de liderar, uma vez que o estar líder representa um entorpecimento pelo cargo ocupado, uma falsa imagem que não lhe permite a percepção da realidade, tão pouco de suas fragilidades e emoções, que o distancia de si e de seus valores. O ser líder, em contraposição, consiste em considerar a sua subjetividade e singularidade, a sua história pessoal, é um desenvolvimento contínuo de autoconhecimento, para que em primeiro lugar saiba gerenciar seus sentimentos e conflitos internos e tenha consciência dos seus valores e crenças. Lidere-se primeiramente, aproprie-se do seu lugar na vida e consequentemente no sistema organizacional, para conduzir com maestria seus liderados. Portanto, o estar ou ser líder dependerá da escolha, da posição a ser ocupada primordialmente na dinâmica da vida e, consequentemente, na dinâmica do trabalho.
Autoria:
Dulcinéia Mendes e Patrícia Alcântara
Psicanalistas do IBCP Psicanálise
CAVAZOTTE, F. S. C. N.; LEMOS, A. H. C., & VIANA, M. D. A. Relações de trabalho contemporâneas e as novas gerações produtivas: Expectativas renovadas ou antigos ideais? XXXIV Encontro da Anpad. Rio e Janeiro: Anpad, 2010.
FREUD, S. A dinâmica da transferência. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980 (Trabalho original publicado em 1912.)
_________ Observações sobre o amor transferencial. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980 (Trabalho original publicado em 1915).
ROUDINESCO, E. Por que a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
SCHEIN, E. Identidade profissional: como ajustar suas inclinações a suas opções de trabalho. São Paulo: Nobel, 1993.