Grupo faz atendimento jurídico gratuito para lutar pelos direitos das minorias

02 Novembro 2019

Com foco em injustiças sociais, um grupo de universitários e advogados do Rio de Janeiro faz atendimento jurídico gratuito para lutar pelos direitos das minorias.

O Núcleo de Prática Jurídica da FACHA trabalha em causas relacionadas aos direitos dos idosos, portadores de HIV/AIDS, vítimas de violência doméstica e direito dos animais. Além disso, presta assessoria jurídica à homossexuais, transexuais, integrantes da população negra, pessoas com necessidades especiais e a todos que sofrem com a intolerância e a discriminação.

Por lei, todos têm direito a um advogado, mas sabemos que na prática a coisa não é bem assim. Aliás, atire a primeira pedra quem nunca passou ou presenciou esse tipo de situação. Dentro do ambiente acadêmico das Faculdades Integradas Helio Alonso, os alunos de Direito exercem suas atividades práticas de forma supervisionada, dando assistência jurídica às pessoas economicamente carentes, como às das comunidades do Alemão, Salgueiro e Santa Marta.

As ações são feitas sob a coordenação do professor Marcelo Dealtry Turra, que contou ao Razões para Acreditar um pouco sobre a jornada de 10 anos no NPJ e dos 30 anos de profissão, apontando para as inúmeras as vezes que se surpreendeu ouvindo histórias marcantes e inspiradoras. “O sofrimento humano não tem limite.

Hoje atendo um caso que me emociona e me faz chorar. No dia seguinte, somos demandados para tentar solucionar um conflito pior. Mesmo que o objetivo do Núcleo de Prática Jurídica seja o de ensinar aos acadêmicos o exercício da advocacia, compreendo que o maior dos aprendizados é o humano -, o contato direto, frio e com muita dor -, com os dramas pessoais trazidos por cada um dos clientes para nós. É a vida real.”

As maiores demandas estão relacionadas à área da saúde e lá na década de 1980, durante o auge da pandemia de AIDS, já houve avanços por conta de seu trabalho. “Fomos procurados por um cliente que necessitava ser internado em decorrência de complicações por conta de sua sorologia positiva para o HIV. Como era de se esperar naquela época, o plano de saúde negou a cobertura, querendo que o cliente voltasse para casa. Conseguimos naquele momento uma liminar obrigando a que o plano de saúde garantisse a internação e tudo o mais que aquele cliente viesse a necessitar em decorrência de seu problema de saúde. Estávamos diante de uma das primeiras decisões liminares no Brasil nesse sentido”, recordou.

As conquistas do grupo foram se acumulando ao longo dos anos, desde a extinção da tração animal – prática que tem sido alvo constante de denúncias por parte de ONGs – na ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, até a luta de 40 anos da atriz Yeda Brown, uma mulher trans idosa, pelo seu direito ao nome social no documentos de identificação. Sua história rendeu até mesmo casamentos perdidos por conta da burocracia. Marcelo indicou que há um um aumento a cada dia na demanda de retificação no assentamento de nascimento do nome e do gênero de clientes transexuais.

“Os problemas envolvendo questões de gênero chegam às vezes a nos impressionar. Pessoas que nasceram sem conseguir se reconhecer em seu corpo, fragilizadas emocionalmente e constantemente desrespeitadas em sua dignidade humana nos trazem – tanto para mim, quanto para os meus advogados que integram a equipe e nosso corpo discente – um aprendizado que muito dificilmente teríamos possibilidade de ter.”

Para se ter uma ideia, as violações de direitos humanos ao público LGBT estão em segundo lugar dentre as denúncias que mais crescem no Disque 100, canal da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Quem lidera o número são as queixas de racismo e injúria social. Marcelo explica que há duas hipóteses para tratar esse tema: o parágrafo 3º do art. 140 do Código Penal e a Lei 7.716/89, que tratam de injúria por preconceito e o crime de racismo. “A diferença básica entre eles é que, no primeiro, a ofensa é dirigida a alguém, enquanto no outro a ofensa é dirigida à determinado grupo ou à coletividade. Em ambos os casos, aqueles que se acharem vítimas devem comparecer à Delegacia Policial mais próxima e Registrar a Ocorrência do fato.”

O advogado ressalta ainda que, embora denúncias online e em redes sociais ajudem a expor as mazelas e discrepâncias sociais e violações de direito vivenciadas por minorias, é preciso ter cautela. “Conteúdos de denúncia em redes sociais ou meios semelhantes, mesmo que apreciados pelo judiciário, não apresentam condições de influenciar decisões judiciais se não estiverem devidamente provados. Cabe ainda destacar o cuidado que o usuário das redes sociais deve ter ao realizar denúncias. Mesmo que legítimas, não devem ser desmedidas ou sem meios de comprovação, caso contrário pode ensejar algum tipo de pleito de reparação civil ou até mesmo penal.”

Apesar de estar ciente do quanto o sistema judiciário no Brasil pode ser falho, especialmente com quem não têm condições financeiras e ou conhecimento das leis, Marcelo faz uma reflexão contundente ao pontuar o quanto é urgente a mudança da nossa cultura. “A interpretação da Constituição, na atualidade, parece que é feita muitas das vezes em proveito de uns e em detrimento de outros. Deveríamos ter sim noções de Direto ou algo assemelhado nas escolas. Traria uma cultura jurídica valiosa. Mas será que é isto mesmo que está faltando? Não seria o contrário, onde as pessoas não precisassem se submeter a tantas leis para determinar suas ações, sendo guiadas principalmente por princípios e valores? É uma questão estrutural de educação até porque um povo educado necessitará cada vez menos de leis.”

Ele aproveita para citar o Japão como exemplo, país com o menor índice de advogados por habitante, de onde podemos extrair lições importantes. “Eles consideram uma falência total das relações humanas ter que levar para o judiciário a solução de algum conflito. Há a noção do respeito ao próximo: parte-se do pressuposto que o seu interlocutor sempre tem razão; não se eleva a voz; enfim, a tentativa é de se chegar a um acordo. Quando se procura um advogado e os préstimos da justiça por lá, isso é vergonhoso para todos uma vez que, de certa forma, há a percepção de que as pessoas falharam.”

Tentando reparar os erros do sistema, Marcelo segue sua carreira colocando boas iniciativas dentro do Núcleo que coordena e compartilha conosco os planos futuros, aumentando ainda mais a rede de apoio para dar voz àqueles que possuem até mesmo o direito de existir negado. “Pretendemos iniciar num curto espaço de tempo a assessoria jurídica aos refugiados e trabalhar com a questão da saúde mental e o direito, campo vastíssimo onde se percebem violações dos mais básicos direitos. Já estamos iniciando no NPJ um trabalho com as pessoas que vivem em situação de rua, deixando claro aos nossos acadêmicos de direito que elas de forma alguma podem continuar sendo invisíveis.”

Todos os casos apoiados pela NPJ são pró bono, ou seja, em trabalho voluntário. “É um requisito nosso. Assessoramos juridicamente aqueles que não têm condições econômicas de arcar com os custos de um procedimento judicial, honorários de advogado e custas judiciais nas quatro áreas do Direito: civil, penal, de família e sucessões e trabalhista. Basta que estas pessoas comprovem sua impossibilidade financeira que serão atendidas, receberão consultoria e se for o caso, o patrocínio de nossos advogados.”

Existem diversos Núcleos de Práticas Jurídicas espalhados por universidades de todo o Brasil. Havendo a necessidade, não hesite em procurá-los para conhecer e lutar pelos seus direitos, assim como fez a guerreira Yeda Brown. A jornada da primeira mulher trans brasileira em busca de um direito básico virou um pequeno documentário, do qual Marcelo Turra fez a produção executiva.

(Fonte: http://www.asdbnoticias.com.br/index.php/cidadania/1426-grupo-faz-atendimento-juridico-gratuito-para-lutar-pelos-direitos-das-minorias, data de acesso: 02/11/2019)

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