Amanda Mont’Alvão Veloso
Especial para a BBC Brasil em São Paulo
8 abril 2017
Segundo Ministério da Saúde, depressão afeta 11 milhões de pessoas no Brasil
Jorge* tinha 25 anos quando, sem nenhum motivo aparente, começou a sentir um desânimo muito intenso.
“Faltava energia para realizar minhas atividades diárias e uma tristeza me acompanhava ao longo do dia. Sentia raiva e ficava mais irritado em alguns momentos.”
O gerente de vendas, hoje com 39 anos, lembra que o mau humor e a irritação foram se intensificando ao longo do tempo. “Principalmente nas primeiras horas do dia. Sentia dificuldade em falar com meus pais, com meus amigos e com meus clientes.”
As mudanças emocionais que Jorge viveu no próprio dia a dia o motivaram a procurar um psiquiatra, que o diagnosticou com depressão.
Problema de saúde que afeta 350 milhões de pessoas no mundo inteiro, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) – e que o Ministério da Saúde diz afetar 11 milhões de brasileiros, a depressão costuma ser associada a apatia, falta de disposição, cansaço e tristeza. Geralmente, são estas as “pistas” que levam uma pessoa a buscar ajuda profissional.
Mas a raiva e a irritabilidade também podem indicar o problema, afirma o psicanalista Sérgio Máscoli, que trabalha em clínica particular e no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
“A psicanalista Joyce McDougall, no livro Em Busca de uma Certa Anormalidade, considera que muitos sujeitos que têm problemas psicossomáticos podem apresentar raiva e inquietude como sintomas que afetam o humor. Humor afetado implica em saúde biopsíquica afetada.”
Ele enfatiza que cada pessoa vivencia a depressão de forma distinta, com intensidades particulares para cada um.
“Como a depressão interfere de forma negativa na vida do sujeito, a raiva e a irritabilidade podem ter variações de negatividade na vida dele. Desta forma, seja uma intensidade ‘leve’, ‘moderada’ ou ‘grave’, é necessária uma intervenção psicanalítica para evitar danos mais nocivos.”
Máscoli afirma que uma pessoa com raiva ou irritada por causa de uma depressão pode descontar este desconforto em sua parceria sexual apresentando disfunções sexuais, por exemplo.
Sinais de alerta menos óbvios, a raiva e a irritabilidade costumam ser manifestadas com mais frequência por homens. Eles muitas vezes nem sequer reconhecem a existência da depressão, seja por medo de serem julgados ou por acreditar que suas emoções sejam apenas efeito do estresse e do cansaço.
“Desde tempos imemoráveis, quando o homem e seu corpo eram um instrumento de guerra, não expressar dor ou emoções afins podia ser considerado um valor: ele era forte, corajoso e valente. Neste caso, raiva e irritação eram combustíveis úteis para que o sujeito não temesse a dor e o sofrimento. Assim, estes sinais foram assimilados pela cultura como qualidades masculinas. Os homens sensíveis eram desprezados e estigmatizados, pois eram fracos e não podiam proteger o outro”, explica Máscoli.
Mesmo com o passar do tempo e com a quebra de alguns preconceitos, prevalece o pensamento de que um homem não pode sofrer. Muitos tendem a amenizar os sintomas, ou não admitem que estão fragilizados, ou não querem incomodar. Pesquisas feitas por psicólogos nos Estados Unidos mostraram que os homens relutam em falar sobre a depressão e têm mais dificuldade em procurar ajuda profissional.
A trava que impede um homem de se abrir e expor as emoções pode levar a consequências mais graves, como o suicídio. Em alguns países, como o Reino Unido, tirar a própria já é a principal ou uma das principais causas de morte de homens entre 20 e 49 anos.
A prevenção passa pela comunicação da ideia e pela busca de ajuda, mas uma pesquisa da Associação Americana de Ansiedade e Depressão, feita em 2015, mostrou que os homens são mais propensos a ficar em silêncio quando pensam em se automutilar ou se matar.
Para Jorge, falar sobre seus anseios e angústias é muito difícil.
“São poucas as pessoas com quem consigo conversar abertamente. Geralmente apelo para os meus parentes mais próximos e amigos mais íntimos. Talvez os homens tenham mais dificuldade em admitir o problema e buscar ajuda.”
De acordo com o psicanalista Máscoli, é preciso mudar o paradigma sobre a condição do homem no século 21, onde as guerras são feitas por drones guiados por um soldado do outro lado do mundo.
“Assim, o homem fica livre do papel de forte, corajoso, para viver outras experiências: ser humano, simplesmente. O homem que ainda é ensinado a ser forte e invencível pode trazer muita angústia, e, consequentemente, muitos problemas psíquicos.”
Atreladas culturalmente a uma ideia de força, a raiva e a irritabilidade dificilmente levam alguém a desconfiar que há algo errado. Mas é preciso estar atento a elas, pois prejudicam outras pessoas e nem sempre o sujeito percebe o mal que está produzindo, explica Máscoli.
“Elas são reações de algum estímulo reprimido. Diria que, talvez, atletas, competidores e investidores possam ser uma exceção.”
O psicanalista reforça que, durante a intervenção, é preciso descobrir a causa do sintoma, em vez de simplesmente aliviá-lo. A ajuda profissional reconhece o sofrimento como existente e não o nega.
“Conhecer o próprio sofrimento e poder significá-lo é o princípio da superação do mesmo. Ele não pode ser só ‘curtido’; deve ser elaborado para que possa ser superado. Há um tempo para cada sofrimento.”
Jorge preferiu não se identificar porque teme a estigmatização que geralmente cerca os problemas de saúde mental. “Acho que ainda existe muita desinformação e até um certo preconceito.”
Para ele, compreensão e apoio por parte da família e dos amigos são fundamentais. “É importante fazer com que a pessoa com depressão se sinta amada e acolhida.”
*O nome do entrevistado foi alterado para preservar sua identidade.