Pedro Vinicius Paliares de Freitas
Sep 23, 2019
Todos as referências e estatísticas utilizadas no texto estarão nos links do final.
- Setembro Amarelo
O Setembro Amarelo é uma campanha brasileira com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre os crescentes problemas relacionados ao suicídio e sua prevenção. Foi criada em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). Para se ter uma ideia da importância dessa campanha, precisamos analisar alguns dados. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, tornando o suicídio, em 2016, a segunda maior causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos, só ficando atrás de “lesões não intencionais”, que incluem acidentes de trânsito, quedas, envenenamentos acidentais, entre outros. Além disso, é importante lembrar que esses números não representam a totalidade de tentativas de suicídio, pois, para cada suicídio que ocorre, estima-se que três outras tentativas são feitas, assim, muitas delas não se concluem. - Histórico e causas
Infelizmente, o fenômeno não é uma novidade, e conforme pesquisas e levantamentos sobre o problema começaram a surgir de forma mais clara no século XX, os números vêm crescendo assustadoramente. Entre 1950 e 1995, a taxa mundial de suicídio cresceu 33% entre as mulheres e 49% entre os homens, segundo o periódico sueco Suicidologi. Desde então, os números continuaram aumentando em boa parte do mundo.
As causas do fenômeno são variadas, complexas, e muitas vezes, subjetivas. Aspectos sócio-econômicos devem ser levados em consideração, visto que 79% dos suicídios do mundo ocorrem em países de baixa renda média. Porém, o suicídio é um fenômeno de causas múltiplas. Assim, fatores biológicos, psicológicos ou sociais, isoladamente, não abrangem todo o problema. De qualquer forma, o suicídio tem uma relação íntima com fatores como a depressão e problemas de saúde mental, pois sabe-se que cerca de 90% das pessoas que morrem de suicídio têm algum tipo de problema com saúde mental. - O fenômeno do suicídio no Brasil
No cenário brasileiro, o momento é crítico. Nos últimos anos, as taxas de suicídio no mundo diminuíram, devido à campanhas bem sucedidas e políticas publicas efetivas no combate ao problema. Já no Brasil, os números crescem, apontando um aumento de 24% no número de suicídios entre adolescentes nas grandes cidades do país, entre 2006 e 2015. E, segundo dados mais recentes do Ministério da Saúde, referentes apenas ao ano de 2016, foram registradas mais de 11 mil mortes por suicídio no pais.
Apesar de ser um fenômeno multifacetado, e não fazer distinções entre origem, idade, classe social ou orientação sexual, o suicídio é (não só no Brasil) mais recorrente em alguns grupos. Minorias que estão mais expostas a preconceito, violência e discriminação fazem parte desse cenário, populações indígenas e jovens que vivem em cidades grandes também possuem altos índices. Mas existe um aspecto intrigante em um grupo específico: Os homens. - O suicídio entre os homens
As pesquisas são claras, e apontam que a taxa de suicídio entre homens no Brasil pode chegar a ser três ou quatro vezes maior que das mulheres, dependendo da região e de outros fatores. Isso faz com que, do total de mortes registradas por suicídios, cerca de 75% seja de homens.
Sim, é uma disparidade muito grande, uma estatística que surpreende, talvez não seja o mais esperado pelo senso comum. Mas, por quê? Por que homens cometem mais suicídio que mulheres? E como?
Bom, existem alguns fatores que se destacam entre as pesquisas e estudos mais recentes sobre o tema, que buscam explicar esse fenômeno. Primeiramente, precisamos analisar o método utilizado para cometer suicídio. Apesar de tentativas serem mais frequentes entre mulheres, as pesquisas mostram que os homens tendem a ser mais impulsivos e agressivos nas escolhas de método, optando, em sua grande maioria, por métodos mais violentos e letais, o que diminui a chance de sobrevivência ou de serem resgatados a tempo.
Outro fator importante é a busca por ajuda profissional. Estima-se que homens entram menos em contato com profissionais da área para buscar ajuda, sejam psicólogos ou psiquiatras. A relação também é surpreendente, e mostra que, dos casos analisados, aproximadamente 75% das mulheres que cometeram suicídio já estiveram em contato com algum psicólogo ou psiquiatra, enquanto apenas 50% dos homens que morrem desta forma tiveram contato com algum profissional da área para buscar auxílio.
Por fim, o impacto das mudanças de vida também deve ser levado em consideração. Términos de relacionamentos, desemprego ou crises são aspectos importantes a serem analisados, e comprovadamente aumentam as chances de suicídio para ambos os sexos. Porém, pesquisadores e profissionais da área dizem que as mulheres costumam se recuperar psicologicamente mais rápido do que os homens, e sugerem que as mulheres têm uma “rede de apoio” mais ampla, entre familiares e amigos próximos. - O tabu da masculinidade
Somado a esses fatores, e com certeza impulsionando alguns deles, existe o tabu de que homens não devem ser sensíveis, demonstrar seus sentimentos ou buscar ajuda. Existe a construção social de que devemos ser auto-suficientes e fortes, de que não podemos chorar ou demonstrar emoções que indiquem sensibilidade, insegurança ou “fraqueza”. Essa pressão social pode influenciar a ocorrência de alguns dos fatores citados.
[Esse outro artigo pode te ajudar melhor na compreensão desse conceito, https://medium.com/@pedroviniciuspaliaresdefreitas/a-origem-da-fam%C3%ADlia-por-engels-e-a-monogamia-em-diverg%C3%AAncia-com-o-ideal-de-amor-rom%C3%A2ntico-1be1348eec5e] mas, basicamente, com o surgimento e “evolução” do conceito de família, a introdução do direito da herança paterna com relação aos bens, assim como a criação gradual de uma organização social patriarcal como núcleo da instituição familiar, criou-se a imagem do indivíduo do sexo masculino como forte, auto-suficiente, provedor e inabalável. Claro, o principal aspecto dessa construção é observado no privilégio do sexo masculino em detrimento do sexo feminino, bem como a opressão e desigualdade em inúmeros setores da sociedade. Mas é importante constatar que isso também se torna algo nocivo aos homens. O fato é que os homens também se tornam vítimas do machismo.
A busca por ajuda, por exemplo, frequentemente é vista como uma inabilidade de lidar com seus próprios problemas e sua vida, como uma incapacidade de ser auto-suficiente e forte. Isso cria uma contradição com a norma social sobre como homens devem ser, sobre como homens devem agir ou se portar socialmente. Assim como isso pode afastar boa parte dos homens que sofrem da anteriormente citada “rede de apoio”, que demonstra ser tão importante para as mulheres, segundo as pesquisas. Grande parte dos homens sente, seja conscientemente ou inconscientemente, estaria ferindo seu orgulho ou sua masculinidade, ao admitir que precisa de apoio profissional e médico, ou simplesmente de apoio familiar e de suas amizades. Isso dificulta a prevenção do problema e, consequentemente, o tratamento.
Igualmente importante é observar a relação do homem como indivíduo provedor da família e da casa. Ao se estabelecer definitivamente o direito paterno como regra na instituição da família, a mulher passa a ser vista como dona de casa e quem cuida dos filhos, isso automaticamente atribui ao homem o papel de provedor da casa e indivíduo que busca o sustento da família no trabalho. Isso pode ter inúmeras consequências, desde o machismo estrutural já citado anteriormente, bem como a disparidade de salários entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Esse aspecto pode nos ajudar a ilustrar melhor como mudanças de vida podem influenciar quadros depressivos e tentativas de suicídio.
Para um indivíduo que é visto como provedor da família, e que se identifica com essa responsabilidade e posição assumida na instituição familiar, um momento de crise econômica, desemprego ou dificuldade pode ser devastador. É importante pensar que para quem se encontra na posição de provedor familiar, perder um emprego, ou a capacidade de prover para a sua família é caótico, não só no aspecto econômico e material, mas também psicologicamente. De novo, entramos no mesmo problema, é como se, ao perder a capacidade de prover o necessário para sua família, o homem perde o valor enquanto indivíduo do sexo masculino, pois parou de produzir o que a sociedade vê como seu dever. É como se ele não estivesse cumprindo o papel de homem da forma correta, e isso se torna nocivo a longo prazo.
Um bom exemplo disso pode ser encontrado no clássico de Franz Kafka, A Metamorfose, onde o protagonista, Gregor Samsa, provedor de sua família, passa a não conseguir mais trabalhar e sustentar seus familiares por conta da metamorfose que sofreu enquanto dormia. Isso tem um efeito psicológico muito forte em Gregor, que se encontra, após alguns meses, em um quadro que pode ser comparável a uma depressão. [Caso queira ler mais sobre, eu também tenho um artigo sobre o tema. https://medium.com/@pedroviniciuspaliaresdefreitas/a-metamorfose-de-franz-kafka-e-a-depress%C3%A3o-14bd23c3e9fa]
A conclusão é que homens também são vítimas do machismo e do conceito de masculinidade. Precisamos seguir um padrão que já é previamente estabelecido, criando expectativas estritamente iguais em seres humanos completamente diferentes e individualmente complexos demais para serem enquadrados em qualquer tipo de padrão social. É impossível dizer que isso, por si só, é o que gera a superioridade numérica de suicídios nos homens, pois, como já vimos, o problema é complexo, e também é preciso levar o fator bioquímico em consideração. De qualquer forma, é válida a reflexão e a análise, já que especialistas no tema estão chegando a essas conclusões. - Reconhecendo sintomas
Caso você acredite estar sofrendo de depressão ou apresenta sintomas relacionados à doença, deve procurar um profissional da área da saúde imediatamente para um diagnóstico confiável. De qualquer forma, creio ser importante citar os principais sintomas e sinais de que você ou alguém próximo pode estar começando a desenvolver a doença. Mas, lembre-se, nada substitui o diagnóstico feito por profissionais. Os principais sintomas, segundo livro da Associação Americana de Psiquiatria, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, são:
- Humor deprimido durante boa parte do dia, quase todos os dias. Sentir-se triste ou vazio.
- Perda de interesse ou prazer nas atividades cotidianas.
- Perda ou ganho significativo de peso em curtos períodos de tempo, assim como perda de apetite ou apetite excessivo.
- Insônia ou excesso de sono quase todos os dias.
- Cansaço frequente ou perda de energia durante longos períodos de tempo.
- Agitação excessiva ou retardo psicomotor (observável por terceiros).
- Capacidade limitada de pensar e dificuldade de concentração quase todos os dias.
- Sentimentos excessivos de culpa e de inutilidade sem uma razão aparente.
- Pensamento de morte frequente e ideação suicida.
Se mais de cinco desses sintomas forem apresentados ao longo de duas semanas, é essencial que você procure a ajuda de um profissional. O ponto principal a ser analisado é se alguns desses sintomas está te afetando o suficiente para atrapalhar a sua rotina, trabalho ou estudos.
- Apelo aos homens
Se você leu até aqui, quer dizer que se importa de alguma forma com isso. Seja você um indivíduo que se identifica com o gênero masculino, ou não. Você sabe a importância de falar sobre suicídio, de discutir cada vez mais o assunto. Sabe que só é possível combater o problema com conhecimento, conscientização, empatia, e principalmente, através da criação políticas públicas efetivas.
Não somos máquinas, frios e calculistas o tempo todo, apesar de termos essa vontade às vezes. Somos frágeis, apenas mais uma complexa forma de vida baseada em carbono do planeta Terra. Somos seres humanos, todos nós sentimos, todos nós desejamos, todos nós passamos por decepções e tristeza ás vezes. E está tudo bem, nem sempre conseguiremos manter a felicidade e o ânimo lá no alto, pois ninguém é feito pra isso, ninguém é de ferro, é impossível ser feliz o tempo todo. O importante é saber que: É normal se sentir pra baixo ás vezes, e você não deve estar sempre disposto, ou passar sempre a imagem de alguém feliz e realizado para todo mundo. Talvez o principal seja a aceitação. Aceitar que temos defeitos e falhas, e conviver com isso.
Entender que nem tudo depende da gente, entender que não conseguimos controlar todas as possibilidades e resultados da vida é essencial, principalmente em um século em que a cobrança e a expectativa são maiores do que nunca.
Permita-se sentir, permita-se ser. Nem todo mundo precisa ser popular, nem todo mundo precisa ser engraçado, nem todo mundo precisa ser bem-sucedido. Aliás, o que é ser bem-sucedido? Somos indivíduos complexos e dramaticamente únicos, não podemos permitir que algumas histórias ou construções sociais genéricas ditem o que devemos ser e como devemos viver, liberte-se das expectativas externas e das suas próprias cobranças exageradas sobre a faculdade, o trabalho e a vida.
E você, homem, abrace seus outros amigos homens, suas amigas, seus familiares e pessoas queridas. Não há mal algum em dizer que ama, em dizer o que sente, em demonstrar carinho. Aliás, talvez o mal esteja mais próximo da falta de sentimento e da ausência de expressão de sinceridade do que de qualquer estereótipo preconceituoso criado para inibir os nossos sentimentos reais e puros.
Não deixe que as expectativas dos outros ou alguma construção social maldita apague quem você é, quem você nasceu pra ser. Ame, principalmente a você mesmo, e cuide-se. A sua vida importa.