09.12.2015 13h00 – Paula Cosme Pinto
Muitos não o conhecem, estou certa, mas há quem o tenha considerado “o livro mais importante do ano”. Chama-se “Todos Devemos Ser Feministas” (à venda em Portugal), foi escrito por uma nigeriana sem papas na língua e vai ser distribuído gratuitamente entre os adolescentes das escolas secundárias suecas. Um presente dedicado tanto a raparigas como também a rapazes, para ajudar a abrir a porta ao debate e reflexão saudáveis sobre a igualdade de género.
Se nunca ouviram falar deste livro, passo a explicar: em 2012, Chimamanda Ngozi Adichie fez uma apresentação TEDx sobre o feminismo nos tempos de hoje. O que realmente significa, para que serve e porque não deve ser menosprezado. O seu ensaio – que só no Youtube já foi visto mais de 2 milhões de vezes – ficou para a história, acabando por se transformar num livro dois anos depois.
Falar de feminismo continua a não ser fácil e uma das perguntas com que Chimamanda se tem deparado nos últimos anos é: Porquê a palavra feminismo? Por que não falarmos simplesmente de direitos humanos? A resposta parece-me óbvia, mas deixo antes a explicação pelas palavras desta mulher que tem inspirado pessoas de ambos os sexos. “Porque seria desonesto. O feminismo, como é óbvio, faz parte dos direitos humanos em geral. Mas decidir usar uma expressão tão vaga quanto ‘direitos humanos’ é simplesmente negar o problema específico da questão de género. Seria uma forma de fingir que não foram especificamente as mulheres a serem excluídas e discriminadas durante séculos.”
Agitar consciências sem ter de queimar soutiens em praça pública
Odiado por uns, acalmado por outros, o livro “Todos Devemos Feministas” tem gerado controvérsia ao longo do último ano. Dá que pensar, agita consciências e toca numa ferida aberta que afeta diretamente a supremacia e privilégios masculinos com que nos fomos habituando a viver ao longo dos séculos, e que cada vez mais são postos em causa. Sem ser preciso queimar soutiens na praça pública, nem muito menos correr o risco de acabar internada num hospício ou de ficar sem a guarda dos filhos (sim, estas eram técnicas usadas na Europa há não muitas décadas para silenciar as mulheres que decidiam pôr em causa a sua falta de direitos). Aliás, parece-me ser o medo de perder esse poder velado, mas instituído, que faz com tanta gente fique simplesmente encrespada ao ouvir a palavra “feminismo”.
Pode não ser simpático assumirmos isto, mas um pouco por todo o mundo os homens continuam a beneficiar da opressão feita às mulheres. Nuns sítios com mais enfâse, noutros com menos. Mas esta é uma realidade indesmentível e é por isso que o feminismo ainda faz sentido. O caminho mais fácil é, obviamente, apontar o dedo ao grupo oprimido e acusá-lo de discriminação invertida. Como se as pessoas (homens e mulheres) que ousam debater a discriminação de género em público fossem os problemáticos, os que inventam uma situação discriminatória que não é mais do que uma falácia. Elas, obviamente, ou são lésbicas ou umas “mal amadas” (para ser branda na escolha de palavras), eles são, no mínimo, uns bananas. Haja paciência para tanta ignorância.
Quando ultrapassamos essa barreira e decidimos a parar para refletir e observar as pequenas e grandes discriminações do dia-a-dia é demasiado fácil perceber que o caminho a percorrer ainda é longo. Sim, a discriminação de género é uma realidade e cabe-nos a nós – homens e mulheres – mudar isto. A educação, sem dúvida, pode vir a ter um papel preponderante na alteração desta situação no futuro. E é por isso de louvar esta iniciativa que vai fazer chegar a todos os adolescentes suecos um ensaio que os poderá pôr a refletir. O futuro daquela sociedade agradece.
Tal como Chimamanda diz no vídeo endereçado aos estudantes suecos (espreitem-no em baixo), espero mesmo que no futuro o feminismo deixe de fazer sentido e de ser necessário. Seria um sinal de que o mundo está mais justo e que nenhuma pessoa é discriminada simplesmente por ter nascido mulher.