Pesquisadores tentam explicar a amizade e os amigos

A amizade sendo explicada nos laboratórios, descubra o que os pesquisadores e cientistas estão descobrindo sobre o relacionamento humano, sobre amigos e amizades. Por Iara Biderman (free-lance para a Folha)

Amizades, paixões, ternura: temas que, à primeira vista, parecem ser de interesse apenas da vida privada, assunto particular, já atraem pesquisadores de várias ciências, das humanas às médicas. No Brasil, o Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção (Grem), especialização ainda pouco conhecida, estuda os mecanismos que sustentam fenômenos considerados subjetivos como as amizades e o modo como estas moldam a sociedade e são moldadas por ela.

“Ao ser amigo, eu deixo de ser singular, tenho regras, mesmo que implícitas, de conduta, de comportamento, de afeto. Amizades fazem com que as pessoas consigam administrar um tipo de vida, ter projetos como indivíduo, atuar e cumprir seu destino na sociedade”, diz o antropólogo Mauro Koury, professor da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Grem.

Amizade aqui é entendida como a duradoura, a sólida, ressalva que se faz ainda mais necessária por causa da banalização da palavra –o brasileiro chama de amigo o garçom, o flanelinha e até o desconhecido a quem pede uma informação na rua. Mas as amizades longas são as que contam.

“Amizade que acaba é porque nunca começou. Se não for algo que sai do pragmático, do imediato, não é verdadeiro”, diz o filósofo e colunista da Folha Mario Sergio Cortella.

Esse “ciclo longo” de relacionamento, segundo denomina o antropólogo José Guilherme Magnani, do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, não tem como base o trabalho ou lealdades específicas. A disponibilidade de trocas a longo prazo é o que sustenta as parcerias no decorrer do tempo, diz o antropólogo.

O que faz surgir aquela amizade “para sempre” está além das explicações da razão. “Não é optativo. Todos tropeçam em pessoas com quem teriam esse tipo de relacionamento, mas podem reconhecê-las ou não naquele momento”, diz o psicanalista Armando Colognese Jr., supervisor do curso de formação em psicanálise do Instituto Sedes Sapientae, de São Paulo.

Embora não se conheça por completo a química da amizade, Colognese acredita que ela não acontece, pelo menos na forma duradoura e produtiva, com pessoas muito iguais entre si. “A amizade requer aquele raro ponto médio entre semelhança e diferença”, escreveu o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882).

Outra característica que diferencia as amizades de longa data é a possibilidade de confronto sem ruptura. “Se você me importa, eu me incomodo com você. Incomoda-me se você está certo, errado, o que você fala e até a forma de você se vestir”, diz Cortella.

Amigo é quem pode falar aquilo que não gostamos de ouvir. O administrador de bufê Walter Pires Jr., 46, viveu essa situação com a fonoaudióloga Gláucia Domingues, 45, sua amiga há mais de 30 anos. Pires conta que, certa vez, disse à Gláucia que discordava do caminho que ela estava tomando no campo sentimental. A resistência da fonoaudióloga a ouvir os conselhos do amigo o levou a encerrar o assunto, mas não sem antes avisar: “Tudo bem, mas não peça mais a minha ajuda”. Pires acredita que essa frase tenha feito “cair a ficha” e, passado o tempo regulamentar de cicatrização de mágoas, a amizade voltou a ser o que era.

A possibilidade de superar mágoas também é pressuposto e resultado de amizades duradouras, diz Colognese.

Requer maturidade, é óbvio, e também uma das maiores virtudes do ser humano, segundo o psicanalista, que é a capacidade de reconhecer os próprios limites e saber onde procurar o que falta –e a amizade é um espaço privilegiado para essa busca.

As amizades longas são mais raras porque, mesmo que surgidas num golpe do acaso, dão muito mais trabalho. “Amigo pede dinheiro emprestado, bebe, dá um trabalhão, mas você sabe que um dia estará carregando a alça do caixão dele e chorando sua partida sem saber bem o motivo”, diz Cortella. É um esforço mais de compreensão e aceitação do diferente do que de convivência física. “Nem é preciso encontrar-se sistematicamente, há um pressuposto de que a amizade exista”, diz o antropólogo Mangnani. Na amizade sólida, o tempo é uma contingência. Não afasta, apenas adia.

Ao lado da afinidade e do respeito, a criação de certos rituais reaviva o pacto de confiança ou lealdade que, para Koury, é elemento fundamental da amizade longa. Ele diz que, em certas sociedades, como as indígenas, os rituais são muito precisos, com regras predeterminadas. Na sociedade ocidental, os rituais são criados um pouco aleatoriamente.

(Fonte: http://www.esoterikha.com/dia-dos-namorados/ciencia-pesquisadores-explicam-amizade.php, data de acesso 13/01/2016)

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