Denúncias motivam criminalização de “encoxadores”

Quatro suspeitos de molestar passageiras em trens da capital paulista foram presos em março

Ana Cláudia Barros, do R7

Casos de assédio sexual em transporte público são tão antigos quanto frequentes, mas no início de 2014, o assunto ficou em evidência com a divulgação de que muitos dos chamados “encoxadores” usam a internet para se articular. A sequência de detenções de suspeitos nos trens de São Paulo também ajudou a jogar luz sobre o problema e a colocar o debate em pauta.

Em março, o R7 publicou reportagem mostrando que esse tipo de abuso é exaltado em redes sociais, sites e blogs. Sem pudor ou constrangimento, os molestadores compartilham experiências, marcam encontros, trocam imagens das vítimas e relatos do que muitas vezes consideram uma “brincadeira”. Quase nove meses depois, algumas páginas acabaram retiradas do ar, mas outras foram criadas. Ainda é fácil encontrar, após busca rápida na web, fotos e vídeos de mulheres sofrendo abusos em trens, metrô e ônibus.

O tema reverberou na Câmara dos Deputados e virou pauta de dois projetos de lei, propostos neste ano: o 7372/14, do deputado Romário (PSB-RJ) e o PL 7.640/14, do deputado Henrique Oliveira (SD-AM). Ambos tramitam juntos, mas somente o primeiro teve parecer favorável do relator na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.

Por meio de sua assessoria de imprensa, Romário, recém-eleito senador, conversou com a reportagem. Na justificativa do projeto, apresentado por ele em abril, o parlamentar pinçou trecho da reportagem do R7 para mostrar a gravidade da questão. O projeto propõe tornar crime o ato de constranger alguém por meio de contato físico com fim libidinoso, acrescentando artigo ao Código Penal. Em linhas gerais, a ideia é tipificar criminalmente a conduta de quem pratica assédio sexual no transporte público, tornando o ato passível de punição.

O projeto prevê também “que está sujeito à mesma pena quem divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, a prática do ato libidinoso”.

Romário enfatizou que “um legislador precisa estar atento às demandas sociais”.

— A série de abusos em transporte público demonstra que algo precisa ser feito para impedir que esses crimes continuem acontecendo. Alguns homens parecem ainda não ter aprendido a viver em sociedade. Então, nada mais razoável do que atualizar a legislação brasileira para contemplar uma tipificação específica para estes atos libidinosos.

O ex-jogador acrescentou que “o crime prolifera na certeza da impunidade”.

— O cara “sarra” (bolina) na vítima, até filma e sai contando vantagem. Não acredito que esses homens terão a mesma atitude se souberem da gravidade da pena.

Um ponto do projeto é considerado polêmico: o texto destaca que os responsáveis pelos serviços de transportes terão que reservar área privativa para passageiras. A criação de espaços exclusivos para o público feminino no transporte público está longe de ser consenso. Há quem defenda — sobretudo grupos feministas — que a medida significa um retrocesso e a segregação das mulheres, penalizando as vítimas ao invés dos agressores.

Para Romário, é preciso avaliar “o que é ideal e o que é possível neste momento”.

— As feministas estão certas, mas o Estado vai deixar que mulheres sofram abusos para depois punir? Acho que se podemos evitar, vamos evitar.

Suspeitos

Em março, quatro suspeitos de molestar passageiras em trens da capital paulista foram detidos e levados para a Delegacia do Metropolitano. De acordo com a SSP (Secretaria de Segurança Pública), a delegada Sandra Márcia Buzati informou que os quatro inquéritos já foram encerrados e encaminhados à Justiça.

Apenas uma pessoa permanece presa: um desempregado suspeito de abusar sexualmente de uma passageira da linha 7-Rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). O caso aconteceu no dia 17 de março, entre as estações Tatuapé e Luz.

Na época, a polícia informou que a vítima, uma supervisora de 30 anos, estava dentro do trem lotado, quando o desempregado se posicionou atrás dela na tentativa de molestar sexualmente a mulher. Em determinado momento, ele segurou no cós da calça da supervisora com a intenção de tirar a peça de roupa. Para se defender, ela agarrou a mão do homem, que torceu o braço direito dela. A supervisora sofreu luxação e precisou de atendimento médico. Atualmente, o desempregado está preso na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos.

Em relação aos demais casos, três homens foram detidos por importunação ofensiva ao pudor no Metrô, levados ao distrito policial, onde assinaram um termo circunstanciado e as ocorrências foram encaminhados ao Jecrim (Juizado Especial Criminal).

Sobre a investigação de páginas de encoxadores, divulgada pela polícia em março, a Secretaria de Segurança Pública informou que a apuração prossegue com o auxilio do setor de inteligência do Decade (Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas).

Subnotificação

Não há estatísticas específicas sobre ocorrências de assédio sexual em transporte público no Estado de São Paulo. O R7 tentou dados por meio da SSP e pelo Metrô, mas foi informado de que não havia levantamento sobre o assunto.

Fazer uma radiografia exata do problema é tarefa difícil, já que são comuns casos subnotificados. Para evitar exposição ou por medo, a vítima, muitas vezes, prefere não registrar boletim de ocorrência.

Foi o que aconteceu recentemente com uma auxiliar contábil de 18 anos. Ela embarcou na estação Guilhermina-Esperança por volta de 8h30, e, como o trem estava lotado, a jovem teve que permanecer na região das portas. O suspeito, que aparentava ter entre 35 e 40 anos, entrou no trem na estação Penha e começou a assediá-la. Ele chegou a segurar a cintura da auxiliar. A vítima tentou se desvencilhar e pedir ajuda falando alto, mas o suspeito disfarçava.

O homem chegou a agarrar o braço da vítima e a falou no ouvido dela, com voz ofegante. O martírio da jovem só terminou quando o suspeito desceu na Estação Brás. Ela não deu queixa sobre o assédio. O caso foi divulgado no início deste mês no site colaborativo Usuários Metrô SP.

Propaganda polêmica

Em meio aos casos seguidos de assédio sexual em trens paulistas, uma propaganda do Metrô de São Paulo, veiculada pela Rádio Transamérica no final de março, causou revolta e recebeu críticas. Em um dos trechos da peça publicitária, o personagem Gavião falava que gostava do trem lotado porque era bom para “xavecar a mulherada”.

O caso foi parar no Ministério Público e a promotora de Direitos Humanos e Inclusão Social, Paula de Figueiredo Silva, entendeu que o Metrô, a rádio e agência de publicidade NovaSB deveriam responder pelo dano. Um inquérito foi aberto pelo MP para investigar a veiculação da propaganda.

— Ao invés de propor ressarcimento por danos morais coletivos, entendi que seria mais eficiente aproveitar que temos dois espaços bons de divulgação, que é o Metrô e a rádio, e temos uma agência de publicidade. Pensei que eles poderiam criar uma campanha de combate ao assédio sexual contra mulher para compensar o dano gerado pela propaganda indevida.

“Não vou usar mais vestido no metrô”, diz mulher que teve partes íntimas filmadas na estação da Sé

Segundo a promotora, a agência já apresentou uma peça publicitária, que está sendo analisada. A representante do MP mostrou o material para representantes de movimentos feministas, ativistas e promotores que atuam na área de violência contra a mulher para avaliar se a proposta é adequada. Um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) envolvendo as partes será assinado no início de 2015, conforme a promotora.

O Metrô destacou, via assessoria de imprensa, que a veiculação do anúncio pela Rádio Transamérica não foi autorizada pela companhia. Enfatizou ainda que vem prestando esclarecimentos e acompanha a apuração. “O Metrô, dentro de suas atribuições técnicas, acompanha e aguarda a análise do MP”.

Assista ao vídeo na FONTE.

(Fonte: http://noticias.r7.com/sao-paulo/denuncias-motivam-criminalizacao-de-encoxadores-18122014, data de acesso 10/06/2015)

Link permanente para este artigo: https://espacohomem.inf.br/2015/06/denuncias-motivam-criminalizacao-de-encoxadores/