Júlia Dias Carneiro e Renata Mendonça Da BBC Brasil em São Paulo
1 setembro 2015
Leandro Roque de Oliveira era chamado de “macaco” pelos colegas de escola. Não raro, o seu cabelo crespo era alvo de chacota. Dava raiva, mas ele não sabia como responder – então, dava socos. Até se cansar de brigar e abandonar a escola na terceira série.
Os anos passaram, e Leandro virou Emicida. E, agora, tem na ponta da língua a resposta para os comentários que ouvia na escola – e que ainda são frequentes. O ‘matador de MCs’ – origem do apelido “Emicida” – usa o rap para “matar” aos poucos o racismo que ele mesmo ainda sente na pele “toda vez que vai pegar um táxi”.
“Em geral, as pessoas não conseguem entender o que é. A pior coisa do mundo é alguém ter medo de você, e você não representa ameaça nenhuma para essa pessoa. Você chegar para perguntar que horas são, e a pessoa esconder a bolsa”, disse o rapper em entrevista à BBC Brasil.
“Para mim, o racismo é o tema mais urgente hoje no Brasil.”
Nascido em um bairro pobre da zona norte de São Paulo, o rapper conta que cresceu “zombando da morte” em um ambiente onde ser abordado – e até agredido – pela polícia era coisa corriqueira. “Era tão normal, que a gente falava disso e ria depois”, diz.
“Salvo pelo hip hop e pela leitura”, segundo ele próprio, o rapper não quis se distanciar da realidade que canta em sua música e hoje mantém a sua gravadora independente – “Laboratório Fantasma” – em Santana, perto da “quebrada” onde nasceu.
Agora que acumula milhões de visualizações em clipes no YouTube e faz shows até na Europa, Emicida se sente na obrigação de falar sobre racismo.”
“BBC Brasil – A política virou muito Fla-Flu no Brasil, criando um ódio muito grande por pessoas que pensam diferente. O que você acha disso?
Emicida – A gente volta naquele tema da cordialidade do brasileiro. A gente não é educado para discordar, e todos os que levantam o dedo para fazer uma simples pergunta, tipo, por que que isso não é desse jeito? Aí você é o agitador, você é o subversivo.
Na política, cada um tem seus interesses. E o povo assimilou isso da maneira mais errada. Porque aí misturou com a Copa do Mundo e trouxe esse clima aí do debate, do tipo “ou tá com nóis ou tá contra nóis”.
Tipo… Nunca foi tão fácil tomar uma posição, principalmente num lugar como o Brasil. Não é tão simples assim.
Aqui é muito mais complexo para você tomar uma posição política. Não é tipo: “ah, eles são a esquerda, eles são a direita”. Tem várias camadas, várias nuances.
Dentro disso aí, a coisa mais burra que você pode fazer é falar: “ah, eu sou a verdade absoluta. Sigam-me”. E a gente é educado dentro dessa cultura, dessa lógica. É ignorância, e isso para mim é um grande retrocesso. No Brasil, por um lado eu vejo a autoestima das pessoas caminhando no sentido do futuro, do século 21, mas por outro eu vejo a posição política e humana de várias lá em 1800 ainda.”… Continua…
*Colaborou Thiago Guimarães, da BBC Brasil