Da influência reversa à infantocracia. Dois lados de um mesmo fenômeno?

Por André D’Angelo

30/12/2019 | 11:43

Pesquisa constatou que nove em cada dez pais são influenciados pelos filhos na hora de fazer compras, especialmente no supermercado. Um caso típico de influência intergeracional reversa.

Nome complicado para algo simples. Sabe-se que consumir é um aprendizado. E os pais são os principais condutores desse processo junto às crianças, que internalizam atitudes e valores a partir dos exemplos que vêm de seus genitores. Entram nesse aprendizado desde opções por determinados tipos de alimentos, conforme seu sabor ou valor nutricional, até marcas específicas, passando pela inescapável decisão entre poupar e gastar.

“No sentido clássico, a socialização implica uma relação de desigualdade entre adulto e criança. Ela é um processo que sempre se dá em um sentido único, do adulto sobre a criança (…). No entanto, essa realidade está em transformação”, dada as “relações mais igualitárias entre pais e filhos”, escreve Patricia Fett Marques em pesquisa a respeito (completa aqui). Essa mudança de costumes, associada à diminuição do tamanho das famílias, à força da mídia e à emergência de um mercado totalmente voltado a crianças e adolescentes ajudou a abrir espaço para a influência reversa.

Esta pode se dar em produtos do interesse dos mais jovens, caso típico de brinquedos e guloseimas. Mas, recentemente, tem-se percebido que o impacto pode ser maior, uma vez que, expostas aos meios de comunicação diariamente, crianças e adolescentes são bem informados e, além de tudo, dominam certos produtos melhor que os adultos, como os tecnológicos.

A vida moderna tende a acentuar essa influência. Crianças e adolescentes que vivem apenas com um dos pais têm mais voz ativa nas decisões de consumo, visto que um pai ou mãe sobrecarregado é menos capaz de resistir à insistência do filho.

Além disso, as rotinas de trabalho que tornam os pais menos presentes no dia a dia dos filhos leva-os a oferecer compensações – e o consumo, claro, é uma via relativamente fácil e barata para tanto.

Não vi no trabalho de Marques menções a respeito, mas acho lícito especular que o mesmo conjunto de transformações culturais que permitiu o avanço da influência intergeracional reversa tenha feito emergir a infantocracia – esse modo de funcionamento facilmente observável em muitas famílias nas quais tudo gira em torno dos filhos, e que produz jovens adultos pouco maduros e incapazes de aceitar frustrações. Uma espécie de efeito colateral negativo e tão facilmente observável quanto os clamores dos mais novos pelo que está nas prateleiras.

(Fonte: http://www.amanha.com.br/posts/view/8646, data de acesso: 10/01/2020)

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